Gay em Uganda, e com a sensação de estar sendo caçado

Para essa semana traduzimos um texto publicado no New York Times sobre toda a história que está acontecendo em Uganda – sob a perspectiva dos homossexuais, no entanto. Por mais que seja difícil, é interessante ler tendo em mente: isso está acontecendo em pleno 2010.

Gay em Uganda, e com a sensação de estar sendo caçado

KAMPALA, Uganda – Isolamento, insultos, ameaças e violência: é com isso que a comunidade gay de Uganda, a maioria não assumida, tem lidado há anos.

Mas agora que pólíticos de Uganda estão ameaçando aprovar uma nova medida anti-homossexualidade que irá sentenciar alguns homossexuais (reincidentes, portadores do vírus HIV e outros) à prisão perpétua ou mesmo à morte, muitos gays e lésbicas dizem estar se sentindo caçados.

“Nós andamos pelas ruas sabendo que a qualquer momento você pode ser reconhecido e que então as pessoas podem querer fazer justiça com as próprias mãos”, disse Stosh Mugisha, uma mulher que está passando pela transição para se tornar homem. “Você se sente constrangido por gente tocando em você. As pessoas nos provocam. Mas eu tento ficar frio. Fico na minha. É terrível”.

Val Kalende, outra entre os poucos assumidos ativistas pelos direitos dos homossexuais nesse país de 32 milhões de habitantes, afirmou que ser gay em Uganda é “bastante problemático”.

“Se você está na escola e seus pais descobrem [que você é homossexual], eles param de pagar sua mensalidade”, ela disse. “Sua família irá evitar você. Eles costumavam me perguntar, ‘Você não quer ter filhos? Você não quer um marido?’”

Os sentimentos anti-homossexualidade são uma coisa, e dificilmente podem ser atribuídos somente a Uganda. O que parece diferente aqui é o nível dos discursos oficiais, mantidos pelo governo, de ódio contra homossexuais.

“Odeio gays do fundo do meu coração”, disse Kassiano E. Wadri, membro do Parlamento e líder da bancada de oposição. “Quando vejo um gay, penso que aquela pessoa precisa de psicoterapia. É preciso refreá-los”.

Não surpreende, portanto, que muitos homossexuais aqui tenham insistido em conceder entrevistas anonimamente, incluindo um vendedor de carros que será identificado como Bob. Ele perdeu seu emprego em um hotel há alguns anos, depois que o Red Pepper, um jornal ugandense, publicou uma lista de nomes de homossexuais, incluindo o seu.

“Quando o seu chefe descobre que você é gay, você começa a ser perseguido”, ele disse. Depois, você começa a ser censurado na frente dos outros. Então, é demitido. É difícil encontrar um namorado,” ele conta, “porque você não sabe em quem pode confiar”. Ele respira fundo e baixa a cabeça, olhando para as mãos. “É muito complicado ser gay em Uganda”, ele diz.

Nikki Mawanda tem 27 anos e nasceu mulher, mas vive como homem – ele se descreve como “transhomem”. Ele contou que quando criança, olhava diretamente para o sol por longos períodos, na esperança de que o trauma pudesse mudar seu sexo. Agora, ele prende suas mamas com bandagens apertadas, usa um boné de baseball com a aba virada para trás e pequenos dreadlocks saindo para fora, e namora com mulheres.

“Esse ano, coisas terríveis aconteceram comigo”, conta. Um policial enfiou um dedo em seu olho, ele disse, alguém jogou cerveja em sua cara em um bar, e um segurança de um minimercado lhe deu uma coronhada enquanto ele tentava fazer compras.

Mas há um oásis longe disso tudo, e sua localização não é nenhum segredo guardado a sete chaves.

Toda noite de domingo no centro de Kampala, capital de Uganda, dezenas de gays, lésbicas e transgêneros se encontram em em uma boate quente, que fica na rua de uma escola, atrás de algumas palmeiras, atrás de cerveja gelada e lip-syncing ruim.

Nesse último domingo, os gays estavam jogando sinuca, se esfregando na pista de dança, e balançando a cabeça no ritmo de um show deprimente de karaokê que ocupava o palco. Duas lésbicas se acomodavam de mãos dadas em um banco, dividindo uma cerveja Nile Special. Havia provavelmente mais de 100 homossexuais no clube e o mesmo número de não-gays.

Por algum motivo, a polícia de Uganda deixou esse lugar em paz, ainda que muitos expressem a preocupação de que o clube possa estar com os dias contados.

Um homem gay europeu, que pediu para não ser identificado, ergueu seu queixo apontando para o cenário mais amplo.

“Veja, é disso que estou falando”, ele diz, “Veja toda essa gente aqui, gays e héteros. Não há nenhum problema”. Ele abraça um amigo alto.

“Não é a homossexualidade que vem do exterior”, diz o europeu. “É a homofobia.”

4 Responses to Gay em Uganda, e com a sensação de estar sendo caçado

  1. […] This post was mentioned on Twitter by Nanni Rios, Homomento. Homomento said: Gay em Uganda, e com a sensação de estar sendo caçado http://migre.me/fTfC […]

  2. natanhc disse:

    Isso me dá frios no estomômago; é ridículo que a comunidade internacional apoie uma coisas dessas. A ONU finge simplesmente que não vê; um boicote econômico aos países homofóbicos é a melhor solução, pois é a única coisa medida externa que pode ser tomada. É um horror pensando na pressão que os homossexuais vivem em países sujos culturalmente como a Uganda.

  3. Paulo disse:

    Nenhuma surpresa considerando que o lema do país é “Por Deus e Meu País” e que a população se divide entre católicos, protestantes e muçulmanos. Deve ser uma disputa para quem odeia mais os homossexuais…

  4. Renato H disse:

    A matéria do jornal dos EUA não menciona que o problema começou depois que “missionários” pentecostais desembarcaram em Uganda com a “cura” para o homossexualismo. O que era um preconceito transformou-se em ódio. As religiões do amor, sempre elas, para levar o ódio às pessoas.
    Pode procurar na internet que encontrará a referência ao que escrevi sobre esses pentecostais. Em inglês e em português. Estou com muita preguiça de fazê-lo por vocês.

Deixar mensagem para Paulo Cancelar resposta