O boom casamenteiro dos EUA

22 de setembro de 2009

Uma notícia veiculada no Pink News afirma que de acordo com o órgão do governo americano responsável pelos censos, mais de um quarto dos casais gays dos Estados Unidos está oficialmente casado.

O primeiro censo dos EUA relativo a uniões civis entre homossexuais revelou que quase 150 mil casais do mesmo sexo no país estão casados. O número estimado de casais gays nos EUA, no geral, é de 564 743 e, de acordo com o Census Bureau, 27% declarou que vive numa relação igual à de casais heterossexuais em matrimônio. Estima-se que se registraram 100 mil casamentos, uniões civis e estáveis entre homossexuais em 2008.

Uma leitura apressada dessa notícia poderia conduzir à conclusão de que, no campo do estado civil, os LGBTs norte-americanos já não têm muito pelo que lutar. Ledo engano. Convido o leitor a fazer uma leitura não só dessa notícia, mas do mapa da Wikipedia para uniões homossexuais nos Estados Unidos.

Mapa

A proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo ocorre nos estados que aparecem em tons avermelhados. Em alguns estados, como é o caso de NY, o registro dessas uniões não é permitido, mas as certidões emitidas em outros lugares são reconhecidas. Em razão disso, muitos casais literalmente cruzam o país para oficializar sua união – com exceção de Iowa, localizado no centro dos EUA, todos os estados que reconhecem o casamento homossexual (Massachussetts, Connecticut e Vermont) localizam-se no extremo nordeste do território americano.

Com isso, multiplicam-se pacotes de viagem específicos para LGBTs que pretendem se casar e guias de viagem listando hotéis e restaurantes gay-friendly nos estados de destino. Assim, essas cerimônias acabam por movimentar a economia desses estados. Um estudo realizado pelo Williams Institute (que também analisa esses dados do censo), vinculado à Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, estima que nos próximos três anos o turismo gerado pelas uniões civis vai gerar aproximadamente US$3,3 milhões em impostos somente para o estado de Vermont, estado que foi o primeiro dos EUA a reconhecer uma união civil homossexual, ainda em 2000.

O instituto do casamento entre pessoas do mesmo sexo só foi aprovado em Vermont em abril deste ano, tendo validade a partir do dia primeiro de setembro. Uma matéria da Associated Press nos conta que muitas cerimônias de casais que não queriam mais esperar foram realizadas às pressas nesse estado a partir dessa data.

Bill Slimback e Bob Sullivan vieram de uma cidade do estado de Nova Iorque para se casar no mesmo dia em que aprovaram a união em Vermont

Bill Slimback e Bob Sullivan vieram de uma cidade do estado de Nova Iorque para se casar no mesmo dia em que aprovaram a união em Vermont

Essa verdadeira corrida pelo casamento é bastante interessante quando relacionada às afirmações corriqueiras de que homossexuais são instáveis e promíscuos, incapazes de manter relações amorosas verdadeiras e saudáveis. A última ocorrência que vi desse argumento está no relato de um “ex-gay” contido em um manual de tratamento para homossexuais que a Carol me mostrou no GReader:

Ao longo dos anos vivi com uma série de companheiros de quarto, alguns dos quais eu dizia amar. Eles juravam que me amavam. Mas as ligações homossexuais começam e acabam com o sexo. Além do sexo há bem pouco para fazer [grifo meu]. Depois desse período inicial apaixonado, o sexo torna-se cada vez menos frequente; os parceiros ficam nervosos, começam a enganar-se um ao outro, primeiro às escondidas, depois cada vez mais às claras… Há então cenas de ciúmes e mexericos. Nessa altura dá-se o afastamento e cada um parte à procura de um novo amante.

Notem como a descrição depois do grifo é totalmente aplicável a qualquer relacionamento, independente do gênero de seus integrantes. É quase hilário que a argumentação de que “no começo há muito sexo mas depois a relação esfria” seja apresentada como comprovação de que a homoafetividade é inviável por conta da natureza perversa do homossexual.

É sabido que toda pesquisa tem lá sua margem de erro, especialmente no que tange à quantificação da orientação sexual de uma população, e que não devemos nos apoiar em números para argumentar contra o preconceito. De qualquer maneira, os 27% surpreendem, demonstrando que as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo são uma realidade muito mais presente na sociedade americana do que seria esperado em razão da falta de unidade na legislação sobre o assunto.

(Edição e redação final: Carol)


Sorvete na luta dos outros é refresco

1 de setembro de 2009

Li hoje de manhã, no Parou Tudo, essa notícia:

Enquanto muitas empresas apenas querem o dinheiro do público homossexual, mas não direcionam a ele nenhuma ação de marketing específico com “medo de comprometer a imagem”, a empresa de sorvetes Ben & Jerry’s, dos EUA, foi além.

Para comemorar o início do casamento homo no estado de Vermont nesta terça-feira 1° de setembro, a marca mudou o nome de um de seus sorvetes de Chubby Hubby (marido gorducho) para Hubby Hubby (marido-marido). O presidente da empresa disse que a permissão deve ser comemorada com amor, paz, e, claro, muito sorvete. A edição comemorativa será vendida por 30 dias. Veja aqui uma iniciativa no Brasil que tem semelhança com essa, o Guara Gay.

Hubby Hubby

Não pensei muito no assunto, encarando como mais uma entre as notícias bobas do dia. Quando cheguei à noite em casa, vi no Bilerico Project um post intitulado “I’m not about to get some Hubby Hubby”. Lembrei que era o nome do sorvete e fiquei curioso para saber os motivos da implicância do colaborador Alex Blaze. Ele conta que o produto existe desde a década de 80, mas que foi comprado pela Unilever na década de 2000. Foca então nas críticas à própria Unilever, mencionando casos como o do produto da multinacional que prometia branqueamento a mulheres africanas e asiáticas. E vai além:

Eu não gosto de ver eles se posicionando como se sempre tivessem apoiado a luta ativista pelo casamento igualitário em Vermont, como fossem uma empresa local [e não multinacional] ou como se estivessem preocupados com movimentos de justiça social enquanto vendem cremes branqueadores na Índia. Obrigado, Unilever, por tomar parte num movimento pelo qual sequer se importaria a 50 anos atrás e fazer dele um produto nos dias de hoje.

Agora que é chique, agora que nós lutamos o suficiente para abrir caminho para a Levis utilizar nós brancos nos seus manequins, a American Apparel vender camisetas que dizem “Legalize Gay” e todas as celebridades ganharem status dizendo o quanto nos apoiam, a Unilever acha que pode utilizar o nosso movimento, a nossa luta, pra vender um sorvete ruim.

Eu sei que nós deveríamos estar felizes que boas empresas queiram celebrar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a luta por direitos LGBT, mas esse não é o caso aqui.

Talvez, de fato, Blaze esteja sendo rabujento e associando demais a Unilever a um produto que já tem uma história anterior e pode até ter tido associação com movimentos sociais, vai saber. Mas isso não importa: a desconfiança dele é válida e deveria ser tomada como exemplo.

Já é constatado que a tendência é que, cada vez mais, empresas se declarem gay-friendly. Isso é uma coisa boa? Pode ser que sim. Só, antes de entupirmos nossas geladeiras com Guara Gays da vida, tenhamos o bom senso de observar as circunstâncias de seus lançamentos.

(Para terminar mais otimista, minha parabenização ao pessoal de Vermont e a veiculação da notícia no Dolado e no Mix Brasil, a quem interessar.)