Retrospectiva LGBT de 2009

4 de janeiro de 2010

Escrever retrospectivas já é, por si só, uma tarefa ingrata. A pretensão de abranger os mais importantes fatos relacionados a homossexuais ao redor do mundo durante os 365 dias que compuseram 2009 parece então praticamente inalcançável; quis por isso apenas relembrar alguns acontecimentos, com ajuda de arquivos de sites de notícias gays e da própria Wikipedia. Encarem essa postagem não com a imponência da palavra retrospectiva, mas como um refresco na memória para alguns pontos que chamaram a atenção durante o ano. É bom ressaltar que, no intento de fazer também uma retrospectiva local, deixei o Brasil de fora. Comecemos então?

O avanço dos direitos coloridos
O ano de 2009 está inserido no processo de avanço dos direitos homoafetivos que a comunidade internacional vem assistindo desde que a Holanda aprovou, pioneiramente, o casamento igualitário no ano de 2001. Já a partir de 1o de janeiro de 2009, pessoas do mesmo sexo poderiam começar a se casar na Noruega. Em fevereiro, é vez da Hungria e do Hawaii concederem aos casais gays todos os benefícios da união civil, exceto a adoção – benefício esse que, na Dinamarca, é concedido em março. A Suécia legaliza o casamento em abril, com efetividade marcada o mês seguinte. No segundo semestre, os avanços esfriam mas a discussão não pára. O Uruguai foi grande destaque na América Latina, aprovando leis de adoção e casamento que apenas aguardam sanção.

No final de outubro, o Matthew Shepard Act foi aprovado nos EUA e a homofobia foi criminalizada a nível federal. Por sinal, apesar de dependerem da vontade de 50 estados, um a um, os Estados Unidos testemunharam grande avanço LGBT em 2009, presenciando inclusive um boom casamenteiro com as conquistas em Colorado, Wisconsin, Nevada, Vermont, Iowa e até Washington DC, mesmo apesar da sofrida derrota em Maine. Na Áustria, em dezembro, a união civil entre homossexuais foi aprovada, para entrar em vigor no primeiro dia de 2010 e começarmos o ano já com boas notícias. Em Portugal, a eleição de José Sócrates para primeiro ministro acompanha o compromisso do seu partido de aprovar o matrimônio, o que em dezembro já estava em intensa discussão, com direito a plebescito: provavelmente em 2010 nossos colegas lusófonos já poderão juntar os trapinhos com pessoas do mesmo sexo.

Gays no exército?!
A questão militar foi tema para discussão: em março, Argentina e Filipinas eliminaram medidas proibitivas para a presença assumidamente homossexual nos exércitos. Dois meses depois, o Uruguai entra no coro. Nos Estados Unidos, no entanto, a política do “Don’t Ask, Don’t Tell” (algo como “não pergunte, não fale”) segue nos exércitos, e homens de carreira sólida são demitidos por terem sua intimidade trazida à tona. Em julho o tema foi amplamente debatido quando o soldado inglês James Wharton saiu na capa da publicação oficial do Exército Britânico, a revista Soldier, em que fala sobre sua homossexualidade. Wharton tem tomado, desde então, uma postura ativista, participando de vários eventos LGBTs. Cabe lembrar que o Reino Unido baniu essas medidas proibitivas há nove anos, celebrando desde então a diversidade dentro das Forças Armadas.

Califórnia, a Miss Antipatia
Em fins de 2008, a Proposition 8 significou um retrocesso para a comunidade LGBT norteamericana, tirando-lhes o recém concedido direito de se casar. O assunto gerou polêmica em âmbito nacional, alcançando seu ápice durante o Miss Estados Unidos de 2009: quando o blogueiro Perez Hilton perguntou à Miss California, Carrie Prejean, o que ela achava da privação de direitos, a candidata se posicionou negativamente. Muitos diziam que ela era a favorita para a faixa, mas que por conta da argumentação preconceituosa, restou-lhe o segundo lugar.

Prejean chegou a esboçar uma carreira de portavoz da forte campanha antigay dos Estados Unidos, tendo passado no primeiro semestre a impressão de tornar-se a estrela homofóbica do ano. Alguns escândalos porém, afastaram os religiosos da quase miss, e o anonimato parece ser a próxima etapa para Prejean.

A iconização de Harvey Milk
O filme pode ser do fim de 2008, mas o estouro é de 2009: “Milk”, de Gus Van Sant, foi sucesso de público e crítica. Se o recente êxito de Brokeback Mountain trouxe para o mainstream uma abordagem da vida particular de muitos homossexuais, Milk vai um passo a frente para falar sobre ativismo na década de 70, mostrando para o grande público um pouco da história do movimento gay.

As 8 indicações para o Oscar vieram consagrar o reconhecimento da película, e a conquista dos prêmios de Melhor Ator para Sean Penn e Melhor Roteiro Original para a obra de Dustin Lance Black reforçaram o coro. Os discursos do ator e do roteirista certamente marcaram a história da academia – e, senão, definitivamente a dos LGBTs – falando abertamente sobre preconceito e orgulho gay.

Com a visiblidade da obra, Harvey Milk passou a ser objeto de admiração de grande parte da comunidade gay, seja nos EUA ou no mundo. A imagem do falecido ativista passou, ao longo de 2009, por um processo de iconização, bem exemplificado pela medalha que Obama lhe dedicou e pela instauração do 22 de maio como “Milk Day” na Califórnia.

As vitórias da realeza ativista
Manvendra Singh Gohil pertence a uma dinastia que governa a Índia há quase seis séculos mas que, como algumas monarquias ainda vigentes, como em Espanha, Japão e Inglaterra, é mais simbólica do que política. Tendo se assumido para a família em 2002 e para a imprensa em 2006, foi publicamente rechaçado. Desde então, Manvendra vem desempenhando importante papel como ativista, sendo possivelmente o primeiro príncipe assumidamente homossexual contemporâneo. Sua aparição no programa da Oprah em 2007 recobrou sua popularidade entre os indianos.

A principal reivindicação de Manvendra era a descriminalização da homossexualidade na Índia, medida de quase 150 anos. Com sua efetividade, na metade do ano, 17% da população homossexual masculina do mundo – a indiana – deixou de ser perseguida pelas leis de seu país. Realizada a conquista, ele anunciou, durante a visita ao Brasil, a vontade de adotar um filho o mais breve possível.

Além de protestar, Manvendra também ganhou fama no ano que passou. Em janeiro de 2009, o hindu participou de um reality show da BBC chamado Undercover Princes, em que príncipes orientais iam para o Reino Unido viver como cidadãos comuns e procurar pessoas para namorar. A participação de Manvendra chamou a atenção pela (re)afirmação de sua homossexualidade. Em maio, foi anunciado que será realizado um filme sobre a vida do príncipe (!).

Enquanto isso, no Oriente Médio…
No mapa de direitos LGBTs ao redor do mundo, o Oriente Médio e o norte da África estão marcados em vermelho. É sabido que em lugares como os Emirados Árabes Unidos, a Árabia Saudita, o Iémen, o Irã, o Iraque e o Líbano existem medidas legais contra atos homossexuais – em alguns destes, pena de morte inclusive. Uma famosa ONG de direitos humanos, a Human Rights Watch, anunciou no final do primeiro semestre que só nesse ano centenas de gays foram torturados e assassinados no Iraque, dado este que alarmou a comunidade internacional. Além disso, ao longo de todo o ano pedidos de asilo de homossexuais perseguidos no Oriente Médio chegaram a países europeus, alguns negados e outros concedidos.

O fato que em 2009 mais chamou a atenção dos LGBTs no Oriente Médio se deu, no entanto, no único país da região que é favorável à legislação pró homossexual, além de possuir uma rica subcultura gay: Israel. No primeiro de agosto, um homem entrou armado na Associação de Gays e Lésbicas de Tel Aviv, atirou em todas as direções e fugiu, deixando dois mortos e vários feridos. Protestos em Israel e no mundo converteram a data desde já em tempo para protesto, numa espécie de Stonewall israelense do século XXI.

Yes, he can!
A campanha de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos, ao longo de 2008, foi provavelmente uma das mais marcantes campanhas eleitorais da década. Para gays norteamericanos, o impacto era absorvido também quando o candidato falava que se preocuparia com a questão homossexual caso fosse eleito.

Iniciando-se o mandato, iniciaram-se também as cobranças por parte dos ativistas. Mas a agenda presidencial parecia estar lotada, restando aos homossexuais um desconfortável silêncio. Por volta da metade do ano, enfim se constatou: ele esqueceu de nós. A capa do principal veículo de comunicação LGBT dos Estados Unidos, a revista Advocate, na edição de setembro, ao trocar o “Hope” da campanha original de Obama por um provocador “Nope?” põe em questão o modus operandi do presidente.

Foi nesse segundo semestre que o “silêncio rosa” do governante se quebrou. O Matthew Shepard Act e o discurso do presidente no jantar anual da Human Rights Campaign foram conquistas poderosas para os LGBTs dos Estados Unidos; o primeiro por conta da criminalização da homofobia federalmente e o segundo pela visibilidade que um presidente simpatizante pode dar. Mais do que isso, Obama é um dos políticos mais importantes do mundo, e tê-lo convencido de que os homossexuais devem ter os mesmo direitos que todos é algo significativo. Encerramos 2009 com os LGBTs dos Estados Unidos e do mundo apaixonados pelo presidente – e com a esperança de que nesses próximos anos venha muito mais.

Ativismo 2.0
2009 foi definitivamente o ano do Twitter. A mídia social ganhou uma popularidade só antes testemunhada antes por ferramentas como o Orkut ou Facebook, sendo utilizada ainda por importantes políticos e instituições. O Twitter foi o agitador do conteúdo da web nos últimos meses, estimulando o melhor uso de espaços de divulgação de idéias, como os blogs. A internet, mais especificamente a web 2.0, está na moda.

Os ativistas gays aparentemente souberam utilizar essas ferramentas a seu favor. De um belo vídeo com gays de todo o mundo afirmando estarem orgulhosos de sê-lo a um protesto de escala nacional realizado frente à Casa Branca, a internet serviu para aproximar as pessoas, botar ideias em discussão, agitar eventos. O primeiro ministro britânico Gordon Brown pediu desculpas pelo tratamento homofóbico dado ao matemático Alan Turing durante a década de 1940 por conta de uma petição online divulgada massivamente pelos homos do Reino Unido. Hoje uma grande quantidade de sites e blogs com as mais diferentes temáticas relacionadas a LGBTs está no ar, o que é extremamente significativo no sentido de criar uma base de apoio para quem precisa e promover o diálogo dentro e fora da dita “comunidade gay”.

O casamento gay na América Latina
Com o perdão do trocadilho, no último bimestre do ano assistimos a uma verdadeira novela mexicana gay na América Latina. No final de novembro foi anunciado que Alejandro Freyre, 39 anos, e Jose Maria Di Bello, 41, realizariam o primeiro casamento entre duas pessoas no mesmo sexo da América Latina, em Buenos Aires, por conta da aprovação da juíza Gabriela Seijas. O evento foi marcado para o primeiro de dezembro, visto que os noivos são soropositivos e queriam que a data coincidisse com o Dia Mundial da Luta Contra a AIDS. Um dia antes da consumação, porém, a juíza Marta Gómez Alsina operou uma manobra legal que garantiu o cancelamento do matrimônio. A notícia foi recebida com desgosto pelo casal, que, com postura ativista, deu a impressão de que o assunto ainda estava inacabado.

Enquanto isso, ao norte, no dia 21 de dezembro uma votação na asssembleia local da Cidade do México relativa ao casamento entre pessoas do mesmo sexo registrou 39 votos a favor e 20 contra. A adoção por casais homossexuais também foi aprovada no mesmo dia, concedendo aos gays da capital mexicana uma boa dose de direitos civis de uma só vez – a começar em março de 2010. Todos os olhos se voltaram para o México, esquecendo um pouco da derrota em Buenos Aires três semanas antes.

Mas Alejandro e Jose Maria, o casal de argentinos, não tinham desistido. Viajando para a província da Terra do Fogo, conquistaram o apoio da governadora para realizar o casamento, que se consumou no dia 28 através de um decreto da governante. Sete dias depois da primeira legislação pró casamento gay ser aprovada na América Latina, o primeiro casório efetivo ocorre, em um país totalmente distinto. Com os acontecimentos de 2009, os direitos LGBTs em contexto latinoamericanos parecem ter ganho uma base para continuar avançando.

40 anos de Stonewall
Foi em 2009 que o momento considerado marco do ativismo gay completou 40 anos: a rebelião de Stonewall foi relembrada, rediscutida e questionada por LGBTs de todo o mundo. Exposições, coquetéis, longos discursos em paradas. Se hoje não é mais reconhecida como “mito de criação” do ativismo gay, tal como era há algum tempo, Stonewall no mínimo ganha grande importância numa história da luta homossexual no século XX.

Uganda chama a atenção do mundo
No dia 13 de Outubro, um projeto de lei foi apresentado no parlamento de Uganda propondo a criminalização e penalização (de morte) da homossexualidade. O país já não é favorável às práticas homoeróticas, não efetivando punições no entanto por conta da necessidade de provas para a acusação – a nova lei facilitaria o processo, além de aumentar as penas. Governantes da Inglaterra, Canadá, França e Estados Unidos se manifestaram criticando o país africano, numa polêmica que se estende até o presente momento. Aguardamos pelo desfecho da situação, mas comemoramos desde já o amplo apoio recebido de todos os lados.

Lideranças assumidas
Por mais que o feminismo já não seja novidade, e que toda a conversa de que “a mulher está entrando no mercado de trabalho” também não, é só recentemente que temos visto mulheres assumirem importantes cargos políticos com mais frequência – as vizinhas Kirchner e Bachelet estão aí para servir de exemplo. Se cairmos na tentação de realizar um paralelo com a participação política homossexual, ainda temos uns bons anos até presidentes e ministros assumidos não serem mais motivo de estranheza. Até lá, cada caso que surge é uma novidade, mais um passo em direção a um reconhecimento respeitoso.


Na Alemanha, o vice chanceler eleito foi Guido Westerwelle, em coligação com o partido de Angela Merkel. Westerwelle é publicamente conhecido por ser homossexual, seja por sua participação em uma edição do Big Brother ou pelas constantes aparições com seu parceiro, Michael Mronz. A cidade de Houston, quarta maior metrópole norteamericana e maior cidade do homofóbico estado do Texas, elegeu uma prefeita assumidamente homossexual. Annise Parker, que se candidatou de forma independente, sofreu com uma campanha bastante homofóbica por parte da oposição, mas ganhou o apoio da comunidade gay dos Estados Unidos. Sua vitória foi bastante significativa para o país.

Vereadores, deputados e governantes menores à parte, 2009 foi o ano em que, pela primeira vez, o cargo de chefe de estado de um país foi ocupado por uma pessoa assumidamente homossexual. Depois de uma crise no governo islandês no ano de 2008, por conta da instabilidade da economia mundial na época, o executivo passou a ser liderado, a partir de 1º de fevereiro, pela ministra Johanna Sigurdardottir, que é casada com a jornalista Jonina Leosdottir.

Olhando pra frente
Mesmo um ativista mais rabugento há de convir que 2009 foi bom ano no quesito direitos. E ao passo que a tendência é que 2010 seja fantástico, com casamentos na Cidade do México, Áustria, Portugal e sabe-se lá onde mais, é bom lembrar que direito não é equivalente a respeito. Conforme os Estados reconhecem a homoafetividade e recriminam a homofobia, o preconceito encontra formas mais sutis de manifestação. Me parece que os próximos capítulos, além de ótimas comemorações, trarão o desafio de lidar com a hipocrisia do politicamente correto.


Destaque da Semana: a “melhor semana gay” de Obama

1 de novembro de 2009

Acreditamos que todo o bafafá do governador do Paraná foi o maior destaque da semana, mas dedicaremos um texto em breve para discorrer só sobre o assunto. Por ora, ficamos com uma notícia um pouco mais otimista.

Michael Jones, do Change.Org, observa muito bem que, desde o início do governo de Barack Obama, essa foi a melhor semana para os homossexuais. Na quarta-feira, uma nova lei contra os crimes de ódio foi aprovada, voltada especialmente para os motivados pelo preconceito homofóbico. Como nos conta o Dolado,

Denominada de The Matthew Shepard and James Byrd Jr. Hate Crimes Prevention Act e conhecida popularmente por Matthew Shepard Act, a lei se torna uma disposição da FY 2010 National Defense Authorization Act – um projeto de Defesa para o ano de 2010 aprovado no começo do verão americano deste ano. Matthew Shepard Act honra a memória de Matthew Shepard, um estudante de Wyoming assassinado brutalmente como vítima de homofobia, e James Byrd, um afro-descendente americano acorrentado na traseira de uma pick-up e arrastado por aproximadamente 7km. Ambos os crimes aconteceram em 1998.

Matthew Shepard tornou-se ícone da luta contra a violência homofóbica

Os ativistas norte-americanos acreditam que a aprovação da criminalização da homofobia é o primeiro passo para um reconhecimento mais justo do Estado à situação dos homossexuais. E parecem estar certos: na mesma semana, foi anunciado que seria banida uma medida preconceituosa que proíbe a entrada de soropositivos e doentes da AIDS nos Estados Unidos. O anúncio foi comemorado por organizações de todo o país – e também de fora dele.

Obama

Vale, pra terminar o domingo, ler um pedacinho do discurso proferido pelo presidente quando foi aprovado o Matthew Shepard Act.

Nós devemos nos posicionar não só contra os crimes que quebram os ossos, mas também contra os que quebram espíritos – não apenas inflingindo danos, mas incutindo medo. Ninguém na América deve ter medo de andar pela rua segurando as mãos da pessoa que ama.

Obama, como sempre, falou bonito: dessa vez, fez bonito também. Esperamos que essa semana seja lembrada futuramente como marco do início de toda uma mudança estrutural em relação aos LGBTs norte-americanos, e não como faísca de esperança no meio de um governo excessivamente pragmático.


GaGa e os gays

13 de outubro de 2009

Porque as assim chamadas “divas do pop” fazem tanto sucesso com o público gay eu não sei exatamente. Acredito que isso seja tema para uma reflexão mais apurada, mas por enquanto arrisco minhas fichas no impacto que a imagem de uma mulher forte tem para um indivíduo que é reprimido por um ambiente machista.

É sabido que Britney, Christina, Beyoncé e muitas outras têm legiões de fãs gays que compram seus discos e lotam seus shows. E embora todas elas tenham a Madonna como referencial óbvio, poucas se posicionam com ênfase em relação a homossexuais como ela (durante o ano passado, por exemplo, a Material Girl fez protestos contra a Proposition 8 em vários de seus shows). Se alguns podem dizer que ativismo é desnecessário e que é implícito que cantoras pop tenham fãs gays, fica pelo menos a incômoda sensação de que ser público alvo não equivale a ser público querido.

Stefani Joanne Angelina Germanotta, também conhecida como Lady GaGa, a cantora que vem desde 2008 marcando presença em todas as charts e capas de revista, tem nadado contra a corrente do silêncio do pop em relação ao seu público gay. Na edição de agosto da revista Out ela declarou que tudo nela – ela própria, seu show, suas músicas – é gay, e que ela está orgulhosíssima de ter conquistado esse público específico; na recente edição do VMA, dedicou seu prêmio a todos os gays.

Até aí tudo bem, ficar só no oba-oba e na bajulação é fácil. Mas nesse último fim de semana, GaGa se posicionou definitivamente como ativista. No sábado, cantou no evento anual do Human Rights Campaign, o mesmo em que Obama discursou (o presidente até fez brincou: “é uma honra para mim abrir o show da Lady GaGa”), e no domingo, fez um discurso na National Equality March em Washington DC.

GaGa na National Equality March

GaGa na National Equality March

Durante o discurso, a cantora fez menção a Judy Garland, Stonewall e Obama e disse que na luta por igualdade cada um tem que fazer sua parte, “no seu quintal”. Se comprometeu a, como artista, denunciar e protestar contra todas as ocorrências de homofobia no meio da música.

Em entrevista ao site Towerload durante a Marcha, GaGa diz que estava nervosíssima e que esse foi o momento mais importante de toda sua carreira. Mais à vontade que durante o discurso, conta que sua presença no evento tem muito mais a ver com a sua relação pessoal com homossexuais, tendo presenciado discriminação com seus amigos homos durante toda a vida, do que como artista que tem fãs gays.

Mas o que mais me chamou atenção foi um comentário que ela fez uma semana antes da marcha: “eu realmente acredito nessa causa, e como mulher da música pop, penso que esse fim de semana vai ser muito importante”.

A cultura pop se utiliza com muita frequência da cultura gay (vide os passos de Vogue, que Madonna resgatou de boates gays), e tem sim um forte compromisso com a comunidade LGBT, especialmente com os homens homossexuais. Ser uma cantora pop e silenciar em relação a isso tem um leve quê de hipocrisia, na minha opinião. Como artista do gênero, GaGa sabe muito bem o que faz e com quem está lidando. Ao tomar parte na luta LGBT, ganha a simpatia de ativistas e mais ainda dos fãs; atitude aparentemente simples, mas que demanda esforço (lembremos que a sociedade norte-americana tem fortes reservas em relação a homossexuais).

Trocadilhos à parte, Lady GaGa tem voz. E utiliza-a muito bem.


Destaque da Semana: (muita) visibilidade

11 de outubro de 2009

Essa segunda semana de outubro marcou uma grande quantidade de manifestações com a intenção de reivindicar direitos para LGBTs e alcançar alta visibilidade social.

Saindo do armário

O National Coming Out Day, iniciativa que há 21 anos incentiva as pessoas a saírem do armário no dia 11 de Outubro, não só está ocorrendo hoje nos Estados Unidos como foi incorporado pelos ativistas brasileiros como iniciativa. O grupo Estruturação, de Brasília, traduziu-o como Dia de Sair do Armário, e junto ao site Parou Tudo veio, durante essa última semana, divulgando o evento com esmero. Entre as ações dessa versão brazuca estão:

– Concurso nacional de fotografias relativas ao tema sair do armário com distribuição de prêmios;
– Orientações sobre como sair do armário, enfim, assumir-se como LGBT;
– Explicação sobre o termo a origem do termo sair do armário;
– Divulgação de como pessoas LGBT influentes e conhecidas enfrentaram o desafio de não mentir ou omitir a própria orientação sexual e/ou identidade de gênero.

Logo do National Coming Out Day, por Keith Haring

Logo do National Coming Out Day, por Keith Haring

Assumir-se (seja para si ou para os outros) é, ainda, uma tarefa delicada que envolve sempre outros assuntos como a relação familiar, com os amigos, etc. É importante que haja diálogo e esclarecimento, para que os recém-assumidos não sintam vergonha de ser homossexuais. Nesse sentido, é ótimo que ambas as campanhas (a norte-americana e a brasileira) contem com essa parte da orientação. Esse guia em inglês tem toda uma explicação didática sobre o processo de auto-aceitação, de conversas com os amigos, com os pais, sobre a maneira de abordar o assunto; conta ainda com um apêndice que desmistifica aqueles velhos preceitos em relação a homossexuais (do tipo “é antinatural?”, “é errado?”, “LGBTs são pessoas perturbadas?” e etc).

Paradas e manifestações

Ontem, em Roma, uma manifestação pela igualdade de direitos uniu 50 mil LGBTs e simpatizantes, de acordo com os organizadores do evento. As declarações não fugiram do convencional: os ativistas reclamaram da violência, da falta de direitos, respeito e dignidade. E esse domingo não é apenas dia de se assumir, mas também de se fazer ouvir publicamente: São Leopoldo, Rondônia, Maceió e Vitória estão tendo suas paradas hoje, como nos conta o Dolado.

NEMNos Estados Unidos, a National Equality March (Marcha Nacional pela Igualdade) é marcada como o grande evento ativista do ano de 2009 e está ocorrendo nesse fim de semana em Washington DC. LGBTs de todo o país estão na capital norte-americana se manifestando a favor da igualdade de direitos para todos, independente de gênero ou orientação sexual.

Discurso de Obama

Ontem, em um evento do Human Rights Campaign, a maior organização LGBT norte-americana, o recém Nobel da Paz presidente Barack Obama discursou a favor dos LGBTs.

Obama discursando a favor dos LGBTs

Obama discursando a favor dos LGBTs

Obama, em época de campanha, chegou a discursar algumas vezes a favor dos homossexuais, mas vem decepcionando os ativistas de todo o país pela falta de atitudes efetivas em relação a eles. Essa fala de ontem visou fazer as pazes com o movimento, mas não ofereceu soluções ou comprometimentos efetivos. O presidente se pronunciou a respeito da política do Don’t Ask, Don’t Tell – que proíbe homossexuais de servirem no exército -, dizendo que lutaria para que ninguém fosse demitido por conta de sua orientação sexual. A respeito do casamento entre pessoas do mesmo sexo, disse: “nós veremos uma América onde se reconheça relacionamentos entre dois homens e duas mulheres tanto quanto admiramos relações entre um homem e uma mulher”. Não chegou a falar quando ou como; apenas que aconteceria.

Direitos concedidos ou não, é inegável que Obama é o presidente mais simpático aos LGBTs que os EUA já tiveram, e que é importantíssimo que um dos mais influentes políticos do mundo se posicione a seu favor. O discurso de ontem, definitivamente, já entrou para a história, mesmo que alguns estejam insatisfeitos com as muitas promessas e poucas atitudes.

Se você entende alguma coisa de inglês, confira o discurso na íntegra, dividido em três partes no YouTube: 1, 2 e 3.