O beijo da capa

11 de março de 2010

Via Observatório da Imprensa:

Pelo menos 27 pessoas cancelaram suas assinaturas do Washington Post depois que o diário americano publicou, em sua primeira página, uma fotografia de dois homens de beijando. A foto foi tirada na quarta-feira da semana passada (3/3), dia em que a Suprema Corte dos EUA autorizou o distrito de Colúmbia a realizar casamentos entre pressoas do mesmo sexo, e publicada no dia seguinte.

Essa notícia me chamou muito a atenção. Em primeiro lugar, a confirmação da incômoda sensação de que a lei está muito aquém da opinião comum. A exagerada ênfase na luta pelos direitos parece criar a ilusão de que poder casar e ter leis antihomofobia garante respeito alheio. Pois bem: não garante coisa nenhuma. Tão aí os Estados Unidos, que mesmo assistindo a um avanço progressivo das leis homoafetivas, convivem com manifestações violentíssimas de homofobia. “Esse tipo de coisa faz pessoas normais quererem vomitar”, disse um dos leitores do Washington Post sobre a fotografia. Mais comedida, outra leitora reclamou: “eu preferia que as imagens de capa não fossem tão perturbadoras, já que meus filhos podem vê-las na mesa do café da manhã”.

A foto da capa, pra vocês darem aquela vomitadinha

Mas prossigamos:

Leitores descontentes sugeriram que a imagem poderia ter sido estampada na seção metropolitana, e não na primeira página; outros, mais radicais, defenderam que ela não deveria ter sido publicada de jeito nenhum. O ombdusman do jornal, Andrew Alexander, diz que é normal receber reclamações após a publicação de fotos consideradas polêmicas. Ele cita como exemplo recente as imagens de vítimas do terremoto no Haiti.

De que adianta casarmos e o raio que o parta se um beijo nosso faz as pessoas quererem vomitar? Se é tão “pesado” para a cabeça das pessoas quanto imagens de vítimas de um terremoto? Não, sério. Esse parelelo do ombudsman é tão absurdo que beira o engraçado.

É claro que os direitos são prioritários em vários aspectos, mas vejo alguns militantes tão obcecados com eles que parecem esquecer a força da mentalidade e da cultura. Para eles, repito duas palavrinhas – constantes aqui no blog: mídia e educação.


Retrospectiva LGBT de 2009

4 de janeiro de 2010

Escrever retrospectivas já é, por si só, uma tarefa ingrata. A pretensão de abranger os mais importantes fatos relacionados a homossexuais ao redor do mundo durante os 365 dias que compuseram 2009 parece então praticamente inalcançável; quis por isso apenas relembrar alguns acontecimentos, com ajuda de arquivos de sites de notícias gays e da própria Wikipedia. Encarem essa postagem não com a imponência da palavra retrospectiva, mas como um refresco na memória para alguns pontos que chamaram a atenção durante o ano. É bom ressaltar que, no intento de fazer também uma retrospectiva local, deixei o Brasil de fora. Comecemos então?

O avanço dos direitos coloridos
O ano de 2009 está inserido no processo de avanço dos direitos homoafetivos que a comunidade internacional vem assistindo desde que a Holanda aprovou, pioneiramente, o casamento igualitário no ano de 2001. Já a partir de 1o de janeiro de 2009, pessoas do mesmo sexo poderiam começar a se casar na Noruega. Em fevereiro, é vez da Hungria e do Hawaii concederem aos casais gays todos os benefícios da união civil, exceto a adoção – benefício esse que, na Dinamarca, é concedido em março. A Suécia legaliza o casamento em abril, com efetividade marcada o mês seguinte. No segundo semestre, os avanços esfriam mas a discussão não pára. O Uruguai foi grande destaque na América Latina, aprovando leis de adoção e casamento que apenas aguardam sanção.

No final de outubro, o Matthew Shepard Act foi aprovado nos EUA e a homofobia foi criminalizada a nível federal. Por sinal, apesar de dependerem da vontade de 50 estados, um a um, os Estados Unidos testemunharam grande avanço LGBT em 2009, presenciando inclusive um boom casamenteiro com as conquistas em Colorado, Wisconsin, Nevada, Vermont, Iowa e até Washington DC, mesmo apesar da sofrida derrota em Maine. Na Áustria, em dezembro, a união civil entre homossexuais foi aprovada, para entrar em vigor no primeiro dia de 2010 e começarmos o ano já com boas notícias. Em Portugal, a eleição de José Sócrates para primeiro ministro acompanha o compromisso do seu partido de aprovar o matrimônio, o que em dezembro já estava em intensa discussão, com direito a plebescito: provavelmente em 2010 nossos colegas lusófonos já poderão juntar os trapinhos com pessoas do mesmo sexo.

Gays no exército?!
A questão militar foi tema para discussão: em março, Argentina e Filipinas eliminaram medidas proibitivas para a presença assumidamente homossexual nos exércitos. Dois meses depois, o Uruguai entra no coro. Nos Estados Unidos, no entanto, a política do “Don’t Ask, Don’t Tell” (algo como “não pergunte, não fale”) segue nos exércitos, e homens de carreira sólida são demitidos por terem sua intimidade trazida à tona. Em julho o tema foi amplamente debatido quando o soldado inglês James Wharton saiu na capa da publicação oficial do Exército Britânico, a revista Soldier, em que fala sobre sua homossexualidade. Wharton tem tomado, desde então, uma postura ativista, participando de vários eventos LGBTs. Cabe lembrar que o Reino Unido baniu essas medidas proibitivas há nove anos, celebrando desde então a diversidade dentro das Forças Armadas.

Califórnia, a Miss Antipatia
Em fins de 2008, a Proposition 8 significou um retrocesso para a comunidade LGBT norteamericana, tirando-lhes o recém concedido direito de se casar. O assunto gerou polêmica em âmbito nacional, alcançando seu ápice durante o Miss Estados Unidos de 2009: quando o blogueiro Perez Hilton perguntou à Miss California, Carrie Prejean, o que ela achava da privação de direitos, a candidata se posicionou negativamente. Muitos diziam que ela era a favorita para a faixa, mas que por conta da argumentação preconceituosa, restou-lhe o segundo lugar.

Prejean chegou a esboçar uma carreira de portavoz da forte campanha antigay dos Estados Unidos, tendo passado no primeiro semestre a impressão de tornar-se a estrela homofóbica do ano. Alguns escândalos porém, afastaram os religiosos da quase miss, e o anonimato parece ser a próxima etapa para Prejean.

A iconização de Harvey Milk
O filme pode ser do fim de 2008, mas o estouro é de 2009: “Milk”, de Gus Van Sant, foi sucesso de público e crítica. Se o recente êxito de Brokeback Mountain trouxe para o mainstream uma abordagem da vida particular de muitos homossexuais, Milk vai um passo a frente para falar sobre ativismo na década de 70, mostrando para o grande público um pouco da história do movimento gay.

As 8 indicações para o Oscar vieram consagrar o reconhecimento da película, e a conquista dos prêmios de Melhor Ator para Sean Penn e Melhor Roteiro Original para a obra de Dustin Lance Black reforçaram o coro. Os discursos do ator e do roteirista certamente marcaram a história da academia – e, senão, definitivamente a dos LGBTs – falando abertamente sobre preconceito e orgulho gay.

Com a visiblidade da obra, Harvey Milk passou a ser objeto de admiração de grande parte da comunidade gay, seja nos EUA ou no mundo. A imagem do falecido ativista passou, ao longo de 2009, por um processo de iconização, bem exemplificado pela medalha que Obama lhe dedicou e pela instauração do 22 de maio como “Milk Day” na Califórnia.

As vitórias da realeza ativista
Manvendra Singh Gohil pertence a uma dinastia que governa a Índia há quase seis séculos mas que, como algumas monarquias ainda vigentes, como em Espanha, Japão e Inglaterra, é mais simbólica do que política. Tendo se assumido para a família em 2002 e para a imprensa em 2006, foi publicamente rechaçado. Desde então, Manvendra vem desempenhando importante papel como ativista, sendo possivelmente o primeiro príncipe assumidamente homossexual contemporâneo. Sua aparição no programa da Oprah em 2007 recobrou sua popularidade entre os indianos.

A principal reivindicação de Manvendra era a descriminalização da homossexualidade na Índia, medida de quase 150 anos. Com sua efetividade, na metade do ano, 17% da população homossexual masculina do mundo – a indiana – deixou de ser perseguida pelas leis de seu país. Realizada a conquista, ele anunciou, durante a visita ao Brasil, a vontade de adotar um filho o mais breve possível.

Além de protestar, Manvendra também ganhou fama no ano que passou. Em janeiro de 2009, o hindu participou de um reality show da BBC chamado Undercover Princes, em que príncipes orientais iam para o Reino Unido viver como cidadãos comuns e procurar pessoas para namorar. A participação de Manvendra chamou a atenção pela (re)afirmação de sua homossexualidade. Em maio, foi anunciado que será realizado um filme sobre a vida do príncipe (!).

Enquanto isso, no Oriente Médio…
No mapa de direitos LGBTs ao redor do mundo, o Oriente Médio e o norte da África estão marcados em vermelho. É sabido que em lugares como os Emirados Árabes Unidos, a Árabia Saudita, o Iémen, o Irã, o Iraque e o Líbano existem medidas legais contra atos homossexuais – em alguns destes, pena de morte inclusive. Uma famosa ONG de direitos humanos, a Human Rights Watch, anunciou no final do primeiro semestre que só nesse ano centenas de gays foram torturados e assassinados no Iraque, dado este que alarmou a comunidade internacional. Além disso, ao longo de todo o ano pedidos de asilo de homossexuais perseguidos no Oriente Médio chegaram a países europeus, alguns negados e outros concedidos.

O fato que em 2009 mais chamou a atenção dos LGBTs no Oriente Médio se deu, no entanto, no único país da região que é favorável à legislação pró homossexual, além de possuir uma rica subcultura gay: Israel. No primeiro de agosto, um homem entrou armado na Associação de Gays e Lésbicas de Tel Aviv, atirou em todas as direções e fugiu, deixando dois mortos e vários feridos. Protestos em Israel e no mundo converteram a data desde já em tempo para protesto, numa espécie de Stonewall israelense do século XXI.

Yes, he can!
A campanha de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos, ao longo de 2008, foi provavelmente uma das mais marcantes campanhas eleitorais da década. Para gays norteamericanos, o impacto era absorvido também quando o candidato falava que se preocuparia com a questão homossexual caso fosse eleito.

Iniciando-se o mandato, iniciaram-se também as cobranças por parte dos ativistas. Mas a agenda presidencial parecia estar lotada, restando aos homossexuais um desconfortável silêncio. Por volta da metade do ano, enfim se constatou: ele esqueceu de nós. A capa do principal veículo de comunicação LGBT dos Estados Unidos, a revista Advocate, na edição de setembro, ao trocar o “Hope” da campanha original de Obama por um provocador “Nope?” põe em questão o modus operandi do presidente.

Foi nesse segundo semestre que o “silêncio rosa” do governante se quebrou. O Matthew Shepard Act e o discurso do presidente no jantar anual da Human Rights Campaign foram conquistas poderosas para os LGBTs dos Estados Unidos; o primeiro por conta da criminalização da homofobia federalmente e o segundo pela visibilidade que um presidente simpatizante pode dar. Mais do que isso, Obama é um dos políticos mais importantes do mundo, e tê-lo convencido de que os homossexuais devem ter os mesmo direitos que todos é algo significativo. Encerramos 2009 com os LGBTs dos Estados Unidos e do mundo apaixonados pelo presidente – e com a esperança de que nesses próximos anos venha muito mais.

Ativismo 2.0
2009 foi definitivamente o ano do Twitter. A mídia social ganhou uma popularidade só antes testemunhada antes por ferramentas como o Orkut ou Facebook, sendo utilizada ainda por importantes políticos e instituições. O Twitter foi o agitador do conteúdo da web nos últimos meses, estimulando o melhor uso de espaços de divulgação de idéias, como os blogs. A internet, mais especificamente a web 2.0, está na moda.

Os ativistas gays aparentemente souberam utilizar essas ferramentas a seu favor. De um belo vídeo com gays de todo o mundo afirmando estarem orgulhosos de sê-lo a um protesto de escala nacional realizado frente à Casa Branca, a internet serviu para aproximar as pessoas, botar ideias em discussão, agitar eventos. O primeiro ministro britânico Gordon Brown pediu desculpas pelo tratamento homofóbico dado ao matemático Alan Turing durante a década de 1940 por conta de uma petição online divulgada massivamente pelos homos do Reino Unido. Hoje uma grande quantidade de sites e blogs com as mais diferentes temáticas relacionadas a LGBTs está no ar, o que é extremamente significativo no sentido de criar uma base de apoio para quem precisa e promover o diálogo dentro e fora da dita “comunidade gay”.

O casamento gay na América Latina
Com o perdão do trocadilho, no último bimestre do ano assistimos a uma verdadeira novela mexicana gay na América Latina. No final de novembro foi anunciado que Alejandro Freyre, 39 anos, e Jose Maria Di Bello, 41, realizariam o primeiro casamento entre duas pessoas no mesmo sexo da América Latina, em Buenos Aires, por conta da aprovação da juíza Gabriela Seijas. O evento foi marcado para o primeiro de dezembro, visto que os noivos são soropositivos e queriam que a data coincidisse com o Dia Mundial da Luta Contra a AIDS. Um dia antes da consumação, porém, a juíza Marta Gómez Alsina operou uma manobra legal que garantiu o cancelamento do matrimônio. A notícia foi recebida com desgosto pelo casal, que, com postura ativista, deu a impressão de que o assunto ainda estava inacabado.

Enquanto isso, ao norte, no dia 21 de dezembro uma votação na asssembleia local da Cidade do México relativa ao casamento entre pessoas do mesmo sexo registrou 39 votos a favor e 20 contra. A adoção por casais homossexuais também foi aprovada no mesmo dia, concedendo aos gays da capital mexicana uma boa dose de direitos civis de uma só vez – a começar em março de 2010. Todos os olhos se voltaram para o México, esquecendo um pouco da derrota em Buenos Aires três semanas antes.

Mas Alejandro e Jose Maria, o casal de argentinos, não tinham desistido. Viajando para a província da Terra do Fogo, conquistaram o apoio da governadora para realizar o casamento, que se consumou no dia 28 através de um decreto da governante. Sete dias depois da primeira legislação pró casamento gay ser aprovada na América Latina, o primeiro casório efetivo ocorre, em um país totalmente distinto. Com os acontecimentos de 2009, os direitos LGBTs em contexto latinoamericanos parecem ter ganho uma base para continuar avançando.

40 anos de Stonewall
Foi em 2009 que o momento considerado marco do ativismo gay completou 40 anos: a rebelião de Stonewall foi relembrada, rediscutida e questionada por LGBTs de todo o mundo. Exposições, coquetéis, longos discursos em paradas. Se hoje não é mais reconhecida como “mito de criação” do ativismo gay, tal como era há algum tempo, Stonewall no mínimo ganha grande importância numa história da luta homossexual no século XX.

Uganda chama a atenção do mundo
No dia 13 de Outubro, um projeto de lei foi apresentado no parlamento de Uganda propondo a criminalização e penalização (de morte) da homossexualidade. O país já não é favorável às práticas homoeróticas, não efetivando punições no entanto por conta da necessidade de provas para a acusação – a nova lei facilitaria o processo, além de aumentar as penas. Governantes da Inglaterra, Canadá, França e Estados Unidos se manifestaram criticando o país africano, numa polêmica que se estende até o presente momento. Aguardamos pelo desfecho da situação, mas comemoramos desde já o amplo apoio recebido de todos os lados.

Lideranças assumidas
Por mais que o feminismo já não seja novidade, e que toda a conversa de que “a mulher está entrando no mercado de trabalho” também não, é só recentemente que temos visto mulheres assumirem importantes cargos políticos com mais frequência – as vizinhas Kirchner e Bachelet estão aí para servir de exemplo. Se cairmos na tentação de realizar um paralelo com a participação política homossexual, ainda temos uns bons anos até presidentes e ministros assumidos não serem mais motivo de estranheza. Até lá, cada caso que surge é uma novidade, mais um passo em direção a um reconhecimento respeitoso.


Na Alemanha, o vice chanceler eleito foi Guido Westerwelle, em coligação com o partido de Angela Merkel. Westerwelle é publicamente conhecido por ser homossexual, seja por sua participação em uma edição do Big Brother ou pelas constantes aparições com seu parceiro, Michael Mronz. A cidade de Houston, quarta maior metrópole norteamericana e maior cidade do homofóbico estado do Texas, elegeu uma prefeita assumidamente homossexual. Annise Parker, que se candidatou de forma independente, sofreu com uma campanha bastante homofóbica por parte da oposição, mas ganhou o apoio da comunidade gay dos Estados Unidos. Sua vitória foi bastante significativa para o país.

Vereadores, deputados e governantes menores à parte, 2009 foi o ano em que, pela primeira vez, o cargo de chefe de estado de um país foi ocupado por uma pessoa assumidamente homossexual. Depois de uma crise no governo islandês no ano de 2008, por conta da instabilidade da economia mundial na época, o executivo passou a ser liderado, a partir de 1º de fevereiro, pela ministra Johanna Sigurdardottir, que é casada com a jornalista Jonina Leosdottir.

Olhando pra frente
Mesmo um ativista mais rabugento há de convir que 2009 foi bom ano no quesito direitos. E ao passo que a tendência é que 2010 seja fantástico, com casamentos na Cidade do México, Áustria, Portugal e sabe-se lá onde mais, é bom lembrar que direito não é equivalente a respeito. Conforme os Estados reconhecem a homoafetividade e recriminam a homofobia, o preconceito encontra formas mais sutis de manifestação. Me parece que os próximos capítulos, além de ótimas comemorações, trarão o desafio de lidar com a hipocrisia do politicamente correto.


Top 10 Momentos Gays da Década

18 de dezembro de 2009

Enquanto o Homomento tornou-se praticamente um blog fantasma, por conta do término do semestre – e do merecido descanso destes blogueiros – pipocam por aí listas de fim de ano. Top discos, filmes, séries; top qualquer coisa. Como fã dessas listinhas, não pude deixar de me entusiasmar quando li esse texto do Michael Jones, do Change.Org, que traduzi pra hoje.

Com o ar otimista desse artigo, deixo os votos de feliz ano novo para todos os leitores e amigos que frequentam, comentam e divulgam o Homomento – e a promessa de que em breve retomaremos as atividades com o devido gás.

Top 10 Momentos Gays da Década
por Michael Jones

Os historiadores não podem lançar para esta última década um olhar descontraído. Houve um genocídio no Sudão, uma guerra contra o terrorismo, uma crise econômica, o seriado “Jon and Kate Plus 8”. Nem mesmo Tiger Woods pôde sobreviver a esta década sem ver seu navio afundar. Apesar dos desafios e tribulações dos últimos dez anos, essa década foi repleta de doces conquistas quando falamos de direitos LGBTs. Esse foi o retorno para o ativismo incansável de todos nós, que fizemos bom proveito dos acontecimentos sociais para desenvolver assuntos LGBTs, mesmo com as dificuldades em termos políticos.

Dez anos atrás, o casamento igualitário só existia na imaginação das pessoas e em muitos estados do país (e do mundo), LGBTs poderiam ser presos simplesmente por ter relações consensuais nos seus próprios quartos. Caminhamos muito em dez anos e ainda temos muito a caminhar. Mas, por enquanto, façamos algumas reflexões sobre as dez melhores vitórias LGBTs, surpresas e momentos de glória desses tempos recentes. Concorda? Discorda? Tem outros a adicionar? Deixe-nos saber na caixa de comentários.

10. Bispos quebrando tetos de vidro
Primeiro houve a eleição para o primeiro bispo abertamente gay, Eugene Robinson, em 2003, que chocou tanto a Igreja Episcopal norte-americana que a mesma decidiu não permitir mais tais ordenações pelos próximos anos. Membros conservadores da Igreja responderam a ordenação do bispo Robinson com descaso, e algumas dioceses individuais romperam com a Igreja norte-americana. Mas o bispo Robinson segue até hoje como um dos mais queridos líderes religiosos LGBTs. Em breve ele terá novos colegas, como a Rev. Mary Glasspool, que recém foi eleita bispo auxiliar na diocese da Igreja Episcopal de Los Angeles. Ah, e nós mencionamos que a Igreja Luterana da Suécia elegeu a primeira bispa luterana recentemente?

9. De Portia a Adam
A década que começou com poucas celebridades assumidas (Ellen, Rupert… Bom, apenas Ellen e Rupert) tornou-se o tempo em que celebridades fora do armário causaram grande impacto. Portia de Rossi. Adam Lambert. Neil Patrick Harris. Wanda Sykes. Clay Aiken. Rachel Maddow. Chris Colfer. Jane Lynch. Lance Bass. Mika. Suze Orman. E a lista prossegue. E quando estamos falando do número de seriados e filmes que abordam temáticas LGBTs, essa foi uma das melhores décadas. Brokeback Mountain se tornou popular a ponto de “Brokeback” virar expressão corrente, Milk ganhou vários Oscars, isso para citar apenas alguns. E quem poderia esquecer dos personagens LGBTs em Six Feet Under, Glee, Ugly Betty, Queer as Folk, The L Word, Modern Family e outros? Se os 90 foram definidos pela declaração de Ellen, “I’m Gay”, em seu programa, essa década no entretenimento foi definida pela quantidade de portas que programas como o da Ellen abriram.

8. Adeus à proibição do trânsito de soropositivos
Embora ainda seja válida até 31 de Dezembro de 2009, a administração de Obama realizou a promessa de banir a proibição de tráfego de soropositivos. A proibição, que opera desde 1987, privava os soropositivos de viagens pelo país. Por muitos anos, isso significou que soropositivos eram separados de seus amigos e familiares, além de significar que muitas das conferências internacionais sobre HIV/AIDS não podiam ser realizadas nos Estados Unidos. Não obstante, nesse último Dia Internacional da Luta Contra a AIDS a Secretária de Estado Hilary Clinton anunciou que em breve os Estados Unidos vão sediar a International AIDS Conference, marcada para 2012. Boas notícias, e uma importante vitória para organizações como a Immigration Equality, que trabalharam incansavelmente contra a medida proibitiva.

7. A luta para expandir as leis contra crimes de ódio
Judy e Denis Shepard encerraram a década de 1990 com a notícia que seu filho, Matthew Shepard, havia sido assassinado por causa de sua orientação sexual. Passados dez anos, depois de muito trabalho no Congresso, os Shepard encontravam-se na Casa Branca no dia em que o presidente Obama assinava a legislação expandindo a lei federal de crimes de ódio para incluir a proteção à orientação sexual, identidade de gênero, gênero e deficiência. Pode-se chamar isso de mudança histórica: uma mudança de corações e mentes. Com o registro de 1700 crimes de ódio cometidos no ano passado por motivação na orientação sexual ou identidade de gênero da vítima, essa lei não poderia ter chegado em melhor hora.

6. A emergência da Blogosfera LGBT
Onde estaríamos sem o Pam’s House Blend? Ou o Towerload? Joe.My.God. AmericaBLOG. The Bilerico Project. Open Left. Queers United. Sim, a nova mídia LGBT ganhou formato recentemente, em parte pela necessidade de cobrir os diversos assuntos relacionados a LGBT. Mas também em parte por causa da sua habilidade para criar uma boa base, se organizar rapidamente e incitar a ação. A National Equality March desse ano é um exemplo, tal como outras manifestações ativistas. E não esqueçamos que foram os bloggers LGBT que divulgaram os escândalos que aconteciam nos bastidores do cenário político conservador americano (como com republicano Mark Foley e com o senador Larry Craig).

5. Descriminalize!
Os direitos gays internacionais ganharam base nos últimos dez anos, com países como Espanha, África do Sul e Canadá legalizando o casamento homossexual e com países como a Índia se esforçando em direção da descriminalização da sodomia. Vários países também assinaram a um chamado da ONU para a comunidade internacional descriminalizar a homossexualidade, chamado este que foi uma das maiores manifestações de apoio da ONU aos direitos LGBT.

4. Lutando contra a homofobia por onde ela começa
A explosão de alianças Gay-Straight (gay-hétero) em instituições de ensino de todo o país foram uma das maiores conquistas dos direitos LGBTs, lutando contra a homofobia por onde ela começa – na juventude, dentro das salas de aula, parques ou nos vestiários. Hoje a GLSEN (Gay, Straight, Lesbian Education Network) estima que haja por volta de 34 mil alianças Gay-Straight por todo o país, trabalhando para melhorar o ambiente escolar para os estudantes LGBTs. Ah, isso sem mencionar as dezenas de programas de estudos Queer que surgiram nas universidades por todo o país, fazendo dessa uma ótima década na frente educacional.

3. Johanna, nós te amamos
Ela pode ter um dos nomes de mais difícil pronúncia no mundo inteiro, mas Johanna Sigurdardottir é um nome para os livros de história. Depois que o governo islandês basicamente colapsou, Sigurdardottir se tornou Primeira Ministra do país – e, assim, o primeiro líder abertamente LGBT da nossa era. Pra todos aqueles que ainda se perguntam se um LGBT pode ser presidente, olhe para a Islândia. Sigurdardottir foi também eleita uma das 100 mulheres mais poderosas no mundo.

2. Lawrence vs. Texas
Quem diria que o Supremo que nos deu George W. Bush nos daria também o fim das leis norteamericanas contra a sodomia. A Corte definiu em 2003 que esse tipo de lei era totalmente antiquada, além de incongruente com os direitos concedidos a todos os americanos. Como os juízes expressaram, “a íntima e consensual relação entre adultos faz parte da liberdade protegida pelos componentes da Quarentésima Emenda”. Em outras palavras? A Constituição dos Estados Unidos não quer que o governo regule o que acontece entre quatro paredes – ou mesmo na mesa da cozinha. Uma grande decisão, com implicações nacionais.

1. Case-se comigo
Não importa o que você pensa sobre casamentos, não há dúvidas que essa década foi a década do casamento gay. Primeiro Massachusetts, depois Connecticut, depois Iowa, Vermont e New Hampshire. California e Maine contam, também, mesmo que iniciativas antigay os tenham removido da lista temporariamente. No fim de 2009, poderemos adicionar New Jersey, e no começo de 2010, parece que teremos também o distrito da Columbia. Isso fecha 10% do país inteiro. É claro que uma estratégia de “um estado por vez” para o casamento igualitário ainda mantém um certo número de benefícios federais longe dos casais LGBT. Mas vencer em cada um desses lugares significou uma grande vitória em âmbito geral, levando a discussão do casamento entre pessoas do mesmo sexo para toda a nação. A maioria de nós termina esse ano pensando que quando o assunto é casamento igualitário, a questão é “quando”, e não “se”. Eu não sei quantos de nós falaríamos dessa maneira há dez anos atrás.


Destaque da Semana: Dia Mundial da Luta Contra a AIDS

6 de dezembro de 2009

Nessa terça-feira foi comemorado o vigésimo primeiro Dia Mundial da Luta Contra a Aids. Vinte e um anos depois, a visibilidade da luta estende-se de campanhas na televisão às luzes do Cristo Redentor e da Torre Eiffel, passando pelo hypado Twitter e pelo novo site da administração do Obama (AIDS.gov). A abertura para se falar do assunto advém também da tranquilidade que ele passa hoje em dia, se relacionado ao pânico que evocava em meados da década de 90. Tornou-se uma data – e um ativismo, de modo geral – menos alarmista. Cabe lembrar alguns dados, trazidos por sites diversos, para fazermos o balanço do que já foi conquistado por essa luta – e do que ainda há para se fazer.

– Hoje em dia, por volta de 33 milhões de pessoas no mundo inteiro vivem com HIV/AIDS, e em alguns grupos específicos – incluindo o de homens homossexuais – os números de infecção têm crescido. Nos Estados Unidos, por exemplo, a cada dez minutos uma pessoa é infectada. (Change.Org)

– Há uma estimativa de que uma a cada cinco pessoas infectadas não está ciente disso. Isso significa que ela pode não estar protegendo seus parceiros e disseminando o HIV. (Bilerico)

– Entre 1980 a 2009 os casos de AIDS no Brasil, em homens com idade igual ou superior a 13 anos, totalizam 92.289 em heterossexuais, 62.203 em homossexuais e 36.147 em bissexuais. Já em mulheres o total é de 131.624 entre heterossexuais. (Dolado)

– O site Todos Contra o Preconceito, do Ministério da Saúde, oferece uma quantidade absurda de informações para quem se interessa, que vão desde o feijão-com-arroz do “como se contrai” até pesquisas e estimativas a respeito da situação da AIDS no Brasil.

A associação do 1o de Dezembro com os LGBTs é tão forte que a data acaba se tornando favorável à visibilidade da comunidade. Foi nessa terça, por exemplo, que o governo sueco anunciou que passaria a aceitar a doação de sangue por homossexuais a partir de março de 2010 – passando assim à frente de uma grande quantidade de países que nem considera a possibilidade por conta da ideia de “grupo de risco”. Mesmo assim, o tratamento dado aos homossexuais soa desrespeitoso: além de preencherem um questionário com diversas questões que atestam a condição saudável – comum para todos os doadores -, os homossexuais precisam afirmar que não tiveram relações sexuais no último ano. Dessa maneira, me parece que quem pode doar não são os homossexuais, e sim os assexuados.

Essa terça-feira também havia sido a data escolhida por Alex Freyre e José María di Bello para se consumar o primeiro casamento gay da América Latina, que ocorreria na Argentina. Duas semanas atrás, a medida havia sido aprovada pela juíza Gabriela Seijas, e a cerimônia estava já marcada – e sendo comemorada por ativistas de todo o continente. No entanto, uma manobra legal operada pela juíza Marta Gómez Alsina garantiu o cancelamento do matrimônio, um dia antes de sua consumação. O casal, que é soropositivo e ativista, não deixou de protestar e a medida ainda está sob discussão.

Uma visão panorâmica dos acontecimentos deixa uma sensação desagradável em relação a esse primeiro de dezembro de 2009. Entre abundantes gestos e discursos politicamente corretos em relação a uma doença sexualmente transmissível, os acontecimentos mostram que as sociedades são simplesmente incapazes de lidar com assuntos referentes à sexualidade.


Maine, Detroit e o armário

13 de novembro de 2009

Os frequentadores mais assíduos desse blog já devem ter notado que andamos um pouco reticentes. Esse é o problema de escrever como hobby – trabalho e estudo são prioritários e eventualmente o tempo aperta. Dentre as coisas que deixamos de mencionar nos últimos tempos, está a derrota na aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo no estado americano do Maine. O projeto de igualdade no casamento chegou a ser aprovado pelo Legislativo, mas uma manobra dos conservadores levou a decisão para votação popular.

E por que os conservadores deixaram matéria tão delicada nas mãos do povo? Os números explicam folgadamente essa estratégia: nas 31 vezes em que o casamento homossexual foi levado a referendos, o resultado foi o NÃO, diz a matéria da Associated Press (via Folha de SP). (Divagação breve: está literalmente em nossas mãos – no clique de nosso mouse – a chance de um resultado inclusivo numa votação de assunto LGBT: a enquete do Senado, que consulta a opinião popular acerca do PLC 122/2006. Ok, não tem o poder de um referendo, mas é importante que a gente não dê aos fundamentalistas o gostinho de dizer que a maior parte da população é contra o projeto. Se você ainda não opinou, corre lá!)

Toda essa enrolação é só para introduzir a tradução de hoje, sobre a derrota no Maine. O original foi publicado na coluna que John Corvino mantém no site 365gay. Pra quem lê em inglês, sugerimos também o texto de Amélie Chopkins, do The New Gay, sobre esse referendo.

Maine, Detroit e o Armário

Por John Corvino (escritor e professor de filosofia da Universidade Estadual do Wayne, em Detroit)

Quando eu era a “bicha” na pracinha da escola, apanhar doía mesmo quando eu sabia o que ia acontecer. Foi o que aconteceu com o Maine semana passada.

Como muitos, eu estava desanimado, mas não fiquei surpreso quando perdemos. Os direitos das minorias (gays, especialmente), geralmente não se saem bem quando submetidos à votação popular. E a mensagem central da oposição – que os gays querem influenciar crianças em idade escolar – mantém-se tão eficaz quanto sinistra.

A mensagem evoca a imagem de gays como molestadores de crianças, um mito desmascarado, mas nunca totalmente extinto.

A versão um pouco menos sinistra (mas ainda assim falsa) nos retrata como anti-família e anti-moral. Ainda há uma outra mentira que é a de que estamos tentando “recrutar”.

Então aí está a verdade subjacente que sustenta o mito como plausível. Sim, é claro que a igualdade da união homossexual irá afetar o que as crianças aprendem nas escolas, porque se o casamento entre pessoas do mesmo sexo for legal, elas naturalmente aprenderão que ele é legal. Que o casamento é uma opção para os adultos que assim consentem e desejam. Que às vezes mulheres se apaixonam por mulheres e homens por homens, e vivem felizes para sempre.

Nós não devíamos ter vergonha de dizer essas coisas, mas temos. Sem dúvida, a feiúra das versões sinistras – sem esquecer a propensão dos nossos adversários para nos citar fora de contexto – nos deixa nervosos sobre discutir a versão verdadeira. E isso é certamente uma lição dessa perda: o armário ainda é poderoso, e os nossos adversários o usam em proveito próprio.

Mas nós não vamos voltar para o armário novamente.

Nós vamos continuar contando nossas histórias. Continuaremos mostrando nossos rostos. Vamos continuar nos casando, mesmo se – por ora – o estado do Maine não reconhecer legalmente os nossos relacionamentos. Nós não vamos voltar ao armário novamente.

E apesar de termos perdido essa batalha específica, vamos continuar a ganhar a guerra.

No mesmo dia em que os eleitores do Maine não aprovaram a igualdade no casamento, Detroit (a cidade onde vivo) elegeu um presidente do conselho municipal abertamente gay. Isso, em uma cidade composta por 84% de afro-americanos e onde as igrejas exercem influência política considerável. O resto do país quase não percebeu, mas Detroit desafiou vários estereótipos na terça-feira.

Seu nome é Charles Pugh. Antes de concorrer para a Câmara Municipal, Pugh era um apresentador popular e foi aprovado tanto pelo Conselho de Pastores Batistas quanto pela AME Ministerial Alliance (Aliança Ministerial). Eles sabiam que ele era gay e aprovaram seu nome mesmo assim.

Alguém poderia argumentar que Pugh foi indicado – e venceu – por causa do reconhecimento de seu nome. Detroit elege todos os nove conselheiros-gerais, e o mais votado torna-se automaticamente presidente do conselho. É um sistema estúpido por vários motivos que, no passado, resultou na nomeação de membros de conselho famosos mas incompetentes – Martha Reeves, de Martha and the Vandellas, salta à mente. (Aliás, nas votações primárias deste ano, Reeves foi deixada de fora, e na eleição geral uma esmagadora parte dos eleitores aprovaram um referendo para os conselhos distritais).

Mas mesmo que a enxurrada de votos de Pugh possa ser atribuída à sua popularidade enorme, isso nos envia uma mensagem encorajadora sobre o modo como o mundo está mudando. Ser abertamente gay não é mais um obstáculo absoluto para a obtenção de apoio público. E mesmo aqueles que regularmente se opõem a nós, por vezes, vão deixar outros fatores triunfarem sobre o que nos tornava assustadores em outros momentos.
Enquanto isso, quanto mais eles nos conhecem, menos assustadores nos tornamos.

É injusto e lamentável que tenhamos que trabalhar mais do que os nossos adversários para vencer. Eles ganham por explorar o medo, o que é fácil de fazer quando se está em maioria. Nós ganhamos construindo relações – deixando os eleitores saberem quem realmente somos. Isso leva tempo.

Assim, os nossos adversários têm a vantagem de poder nos tirar do contexto, mas temos uma vantagem a longo prazo. O armário está desmoronando.

Na esteira da perda de Maine, vamos tomar fôlego e prosseguir. Nós continuaremos a viver nossas vidas, vamos continuar falando a nossa verdade. Vamos fincar o pé na firme convicção de que nosso amor é real, é valioso, e é digno de tratamento igual perante a lei.

Porque, seja qual for o obstáculo legal que possam colocar em nosso caminho, nós nunca mais vamos voltar ao armário novamente.

(Agradecimentos mil à minha digníssima consorte, Germana Etges, pela tradução do texto)

 

 


Destaque da Semana: (muita) visibilidade

11 de outubro de 2009

Essa segunda semana de outubro marcou uma grande quantidade de manifestações com a intenção de reivindicar direitos para LGBTs e alcançar alta visibilidade social.

Saindo do armário

O National Coming Out Day, iniciativa que há 21 anos incentiva as pessoas a saírem do armário no dia 11 de Outubro, não só está ocorrendo hoje nos Estados Unidos como foi incorporado pelos ativistas brasileiros como iniciativa. O grupo Estruturação, de Brasília, traduziu-o como Dia de Sair do Armário, e junto ao site Parou Tudo veio, durante essa última semana, divulgando o evento com esmero. Entre as ações dessa versão brazuca estão:

– Concurso nacional de fotografias relativas ao tema sair do armário com distribuição de prêmios;
– Orientações sobre como sair do armário, enfim, assumir-se como LGBT;
– Explicação sobre o termo a origem do termo sair do armário;
– Divulgação de como pessoas LGBT influentes e conhecidas enfrentaram o desafio de não mentir ou omitir a própria orientação sexual e/ou identidade de gênero.

Logo do National Coming Out Day, por Keith Haring

Logo do National Coming Out Day, por Keith Haring

Assumir-se (seja para si ou para os outros) é, ainda, uma tarefa delicada que envolve sempre outros assuntos como a relação familiar, com os amigos, etc. É importante que haja diálogo e esclarecimento, para que os recém-assumidos não sintam vergonha de ser homossexuais. Nesse sentido, é ótimo que ambas as campanhas (a norte-americana e a brasileira) contem com essa parte da orientação. Esse guia em inglês tem toda uma explicação didática sobre o processo de auto-aceitação, de conversas com os amigos, com os pais, sobre a maneira de abordar o assunto; conta ainda com um apêndice que desmistifica aqueles velhos preceitos em relação a homossexuais (do tipo “é antinatural?”, “é errado?”, “LGBTs são pessoas perturbadas?” e etc).

Paradas e manifestações

Ontem, em Roma, uma manifestação pela igualdade de direitos uniu 50 mil LGBTs e simpatizantes, de acordo com os organizadores do evento. As declarações não fugiram do convencional: os ativistas reclamaram da violência, da falta de direitos, respeito e dignidade. E esse domingo não é apenas dia de se assumir, mas também de se fazer ouvir publicamente: São Leopoldo, Rondônia, Maceió e Vitória estão tendo suas paradas hoje, como nos conta o Dolado.

NEMNos Estados Unidos, a National Equality March (Marcha Nacional pela Igualdade) é marcada como o grande evento ativista do ano de 2009 e está ocorrendo nesse fim de semana em Washington DC. LGBTs de todo o país estão na capital norte-americana se manifestando a favor da igualdade de direitos para todos, independente de gênero ou orientação sexual.

Discurso de Obama

Ontem, em um evento do Human Rights Campaign, a maior organização LGBT norte-americana, o recém Nobel da Paz presidente Barack Obama discursou a favor dos LGBTs.

Obama discursando a favor dos LGBTs

Obama discursando a favor dos LGBTs

Obama, em época de campanha, chegou a discursar algumas vezes a favor dos homossexuais, mas vem decepcionando os ativistas de todo o país pela falta de atitudes efetivas em relação a eles. Essa fala de ontem visou fazer as pazes com o movimento, mas não ofereceu soluções ou comprometimentos efetivos. O presidente se pronunciou a respeito da política do Don’t Ask, Don’t Tell – que proíbe homossexuais de servirem no exército -, dizendo que lutaria para que ninguém fosse demitido por conta de sua orientação sexual. A respeito do casamento entre pessoas do mesmo sexo, disse: “nós veremos uma América onde se reconheça relacionamentos entre dois homens e duas mulheres tanto quanto admiramos relações entre um homem e uma mulher”. Não chegou a falar quando ou como; apenas que aconteceria.

Direitos concedidos ou não, é inegável que Obama é o presidente mais simpático aos LGBTs que os EUA já tiveram, e que é importantíssimo que um dos mais influentes políticos do mundo se posicione a seu favor. O discurso de ontem, definitivamente, já entrou para a história, mesmo que alguns estejam insatisfeitos com as muitas promessas e poucas atitudes.

Se você entende alguma coisa de inglês, confira o discurso na íntegra, dividido em três partes no YouTube: 1, 2 e 3.


O matrimônio gay: termômetro da modernidade

2 de outubro de 2009

Daniel Borrillo é professor na Universidad Paris Ouest, especialista em direito privado e direitos LGBT. O seguinte texto foi extraído de seu blog, mas chegou até mim pela AG Magazine, que o repassou. Vale a pena como objeto de leitura crítica, análise e reflexão.

O matrimônio gay: termômetro da modernidade
por Daniel Borrillo

Na controvérsia atual sobre o direito ao casamento para os casais do mesmo sexo, é normal abordar a questão como uma ruptura com a tradição. Mas de que tradição estamos falando?

Desde a Revolução Francesa, o matrimônio deixa de ser concebido como um sacramento. Se, em âmbito canônico, a diferença de sexos é essencial à união, pois o matrimônio tem a finalidade reprodutiva, no âmbito civil, ao contrário, o que importa é a vontade das partes. Não é a consumação (união de corpos) que conta, mas sim o consentimento (união das vontades). Nesse sentido, o matrimônio gay se insere plenamente nessa tradição que se denomina “a modernidade”.

Ao se referir ao casamento, muitos opositores faziam referência não tanto à dimensão civil das bodas, e sim ao seu passado sacramental. Mas deixemos essa outra tradição aos integristas*.

O movimento LGBT produziu o triunfo de uma visão moderna, individualista, contratualista e dessacralizada da vida familiar, concebida de agora em diante como a serviço do indivíduo, e não este a serviço da vida familiar.

Se o movimento feminista pôs fim ao “contrato de gênero”, denunciado como a perpetuação da desigualdade social e política da mulher, o movimento LGBT radicaliza essa evolução, pois rompe com essa mesma base da diferença de sexos como constitutiva do contrato matrimonial.

Por isso os códigos modernos não falam de “marido” e “mulher”, nem de “pai” e “mãe”, denominações de tipo residual que fazem referência à especificidade das funções masculinas e femininas, e sim de “cônjuges” e “genitores”, terminologia mais adequada com a exigência de igualdade entre as partes, já que os direitos e obrigações não estão determinados pelo sexo dos contraintes. A abertura do direito ao matrimônio para os casais do mesmo sexo nos obriga a assumir sem ressalvas os princípios políticos da modernidade. A dessacralização das núpcias, a dissociação entre sexualidade e reprodução, a fundação da filiação em vontade e não em biologia, assim como a contratualização das relações familiares, deixam clara a radicalização da modernidade que produz o casamento entre pessoas do mesmo sexo. De agora em diante não podemos seguir fingindo que as instituições familiares estão fundadas em uma ordem natural que transcende a vontade individual: cada cidadão, homo ou heterossexual, constrói sua própria família.

O rechaço do matrimônio homossexual muitas vezes não é mais que a hostilidade à modenidade política, social e jurídica. O horror que produz a homoparentalidade é proporcional ao temor de fundar a vida social em valores imanentes e não em uma metafísica naturalista.

Os argumentos que se utilizam contra a igualdade para os casais homossexuais não são novos, foram usados contra os matrimônios inter-raciais, contra a livre disposição do corpo pelas mulheres, contra o sufrágio universal, contra o estado de bem estar… Todas essas evoluções foram também consideradas pelos conservadores como situações apocalípticas. Mas deixemos para os reacionários o medo irracional da modernidade…

A modernidade é sempre um projeto inacabado, um objetivo a se alcançar, com um grande potencial utópico. Por isso cada pedra que se traz ao edifício da modernidade constitui um aporte extraordinário que devemos celebrar. Hoje devemos essa contribuição ao movimento gay, que reatualiza todos os combates anteriores das minorias que enriqueceram a democracia.

* Integrismo é a atitude de determinados grupos desde os princípios da doutrina tradicional, de maneira que rechaçam qualquer mudança doutrinária, com a intenção de manter íntegros e inalterados esses princípios.


Retrospectiva de setembro

1 de outubro de 2009

No Brasil

O reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo pelo Estado brasileiro continuou sua consolidação em setembro. As ações que estão no STF tratando das uniões homoafetivas podem ganhar um empurrãozinho significativo: no dia 17, o presidente Lula indicou um advogado simpatizante para ocupar a cadeira vaga do STF. O nome de José Antonio Dias Toffoli foi confirmado no cargo ontem numa sabatina do Senado, em decisão que segue para aprovação de Lula. Ontem, ele reafirmou seu apoio à nossa causa, dizendo que “a homoafetividade é um fato da cultura humana”.

O IBGE anunciou que irá contar os casais gays no Censo Demográfico de 2010, e servidores LGBT do poder público estadual de Pernambuco poderão incluir seus parceiros como beneficiários na Previdência. Outras iniciativas regionais merecem destaque: o governo de São Paulo está capacitando agentes da Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho (SERT) para inserção de LGBT no mercado, e em Floripa foi aprovada uma lei que proíbe a discriminação em virtude da orientação sexual.

O estado de São Paulo tem uma lei semelhante desde 2001, mas aparentemente ela não é bem divulgada. Em setembro, uma imobiliária da capital desse estado anunciou um apartamento vetando seu aluguel por homossexuais, numa medida desastrada que ainda pode render processo judicial. Em Belém do Pará, um juiz da Vara de Infância e Juventude também não quer homossexuais por perto – no caso, por perto de crianças. A Justiça recomendou a fiscalização da Parada GLBT dessa cidade para evitar a presença de menores, por considerar que o evento tem cenas “atentatórias à moral e aos bons costumes”.

Falando em bons costumes, descobriu-se que isso é coisa que o governador do Mato Grosso do Sul não tem: por conta de desavenças políticas, André Puccinelli chamou o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc de “viado”, “maconheiro” e disse que o “estupraria em praça pública” – e ainda tentou aplicar a desculpa de que isso teria sido uma brincadeira. Esse machismo homofóbico também exala da declaração do técnico do Goiás, Hélio dos Anjos, que disse “não trabalhar com homossexuais”.

A discriminação contra os LGBT foi alvo de ação judicial, também – mas não da maneira que esperávamos. O Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil (Cimeb) entrou na Justiça, em ação posteriormente arquivada pelo STF, contra a Lei 10.948/2001 de São Paulo – a lei citada acima, que proíbe o tratamento desigual motivado pela orientação sexual – por considerar que ela fere a liberdade de expressão. Esse argumento mentiroso é o principal dentre aqueles que sustentam a oposição dos religiosos ao PLC 122/2006.

No mundo

No panorama internacional, foi também a homofobia o grande choque do mês. Em uma província da Indonésia, entrou em vigor uma lei que pune a homossexualidade com 100 chibatadas em público e até 8 anos de prisão.  No Iraque, onde a homossexualidade é punida com a morte, a surpresa triste de setembro foi a descoberta de armadilhas dos fundamentalistas: eles entram em chats gays e marcam encontros com os rapazes, para então aprisioná-los e torturá-los até a morte. E a Anistia Internacional viu-se obrigada a condenar uma lei homofóbica aprovada na Lituânia em julho.

É evidente que setembro não foi um mês só de más notícias. O governo da Grã-Bretanha, por exemplo, desculpou-se publicamente pelo tratamento cruel que dedicou ao matemático Alan Turing, processado por ser homossexual e “tratado” desse “mal” com castração química. Esse pronunciamento só ocorreu porque o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, atendeu a uma petição online no site do governo, provando que o ativismo gay 2.0 rende frutos. Na África do Sul, foi vista como avanço na questão LGBT a condenação de dois homens que estupraram e mataram a jogadora de futebol Eudy Simelane em função de sua homossexualidade. Embora esses dois casos sejam específicos e não corrijam o mal sofrido, é notável o fato de que a discriminação contra LGBTs está sendo oficialmente condenada pelo poder público desses países.

Os direitos dos LGBT, contudo, não se limitam a não sofrer agressão: em um mundo ideal, os direitos dessa parcela da população serão os mesmos que os das demais pessoas. E algo me diz que estamos caminhando rumo a essa realidade: na Escócia, os homossexuais agora têm direito à adoção assim como os casais héteros. Nos Estados Unidos, constatou-se que casais entre pessoas do mesmo sexo são estáveis sim, e que procuram oficializar sua situação: o birô do Censo confirmou que 27% dos casais homossexuais são legalmente casados de alguma forma.

A melhor notícia de setembro veio da ciência: pela primeira vez, uma vacina demonstrou ter efeitos consideráveis na prevenção do contágio por HIV. A taxa de 31% de sucesso surpreende, mas ainda é cedo para relaxar na prevenção. A AIDS continua não tendo cura.

No Homomento

Setembro foi um mês de definições: pesquisamos como a homossexualidade aparece nos dicionários, revisamos a história do termo “homofobia” e destrinchamos os principais preconceitos sofridos pelos bissexuais (comentaremos as identidades TTT ao longo de outubro, prometemos). Também falamos pela primeira vez sobre homoparentalidade ao traduzir o texto de uma menina de 10 anos, que conta sua experiência como filha adotiva de duas mães.

Desde sua criação, o Homomento é bastante crítico em relação à mídia gay que temos no Brasil – de certa forma, nosso trabalho surge como uma resposta às falhas que encontramos nessa mídia. Mas foi só em setembro que elaboramos um artigo mais consistente sobre as críticas que fazemos aos sites LGBT brasileiros. E ficamos bastante satisfeitos com o debate que aconteceu nos comentários de nossas análises sobre como a publicidade se dirige aos LGBTs, seja de forma a se mostrar gay-friendly (uma estratégia que pode ser considerada oportunista), seja usando duas mulheres para gerar um apelo sexual (o que também é questionável: para a homossexualidade se tornar visível, basta aparecer?).

As discussões sobre cultura também renderam bastante. Setembro é um mês interessante para nós, pois somos gaúchos e o dia 20 é a data mais importante para o nosso tradicionalismo sexista, que exclui os homossexuais. Ao longo do mês, encontramos subsídios para que pensássemos nossa própria militância, e tivemos também a chance de conversar sobre cultura LGBT com Michael Eichler, do site The New Gay. Foi desse site que tiramos a definição de ativismo 2.0 que abordamos por aqui: acreditamos que a web é um espaço para que todos possamos veicular nossas ideias e compartilhar nossas opiniões. Assim, acreditamos que nosso trabalho pode estimular a discussão rumo a uma aceitação cada vez maior das diferentes sexualidades.


“Por que você tem duas mães?”

25 de setembro de 2009

A tradução dessa sexta-feira é de uma autora no mínimo inusitada. Sophie Brescia tem 10 anos e escreveu esse texto como colunista convidada do jornal LGBT britânico Bay Windows. Você pode ler a versão original ou conferir a tradução do Homomento, logo abaixo.

Famílias Diferentes
por Sophie Brescia

Eu posso não ser o que você considera uma colunista qualificada, mas aprendi algumas coisas ao crescer com duas mães em uma pequena cidade perto de Boston. Se você tem alguma curiosidade em saber como é ter 10 anos e viver com duas mães e uma irmã, eu tenho algumas coisas pra contar.

Algumas pessoas perguntam coisas bastante pessoais sobre a sua vida, e outras olham de um jeito engraçado. É importante ser verdadeiro consigo ao invés de mudar seu comportamento só porque outras pessoas estão curiosas, nervosas ou desconfortáveis perto de você ou da sua família – mesmo se eles disserem coisas ruins para você ou sobre você. Vou falar agora sobre as perguntas que me são feitas com mais frequência.

No topo da lista, está essa pergunta: ‘porque você tem duas mães?’.

Eu tenho duas mães porque elas se amam e queriam constituir uma família. Eu e minha irmã nascemos na China. Nós não temos ligação sanguínea com elas, mas nos amamos e somos uma família que se uniu por causa dessas duas pessoas.

Quando a minha irmã era muito pequena, os amigos da pré-escola achavam que ela era sortuda por ter duas mães. Se uma saía para as compras, ainda havia outra em casa com ela. Conforme fomos crescendo, as crianças não achavam mais que ter duas mães era uma coisa boa – especialmente se as duas nos dessem ordens simultaneamente.

Muitos perguntam: ‘onde está seu pai?’ ou ‘porque você não tem um pai?’. Antes eu pensava que tinha de contar toda a história da minha família quando alguém numa loja ou num restaurante perguntava isso. Conforme fiquei mais velha, notei que algumas vezes as pessoas não queriam saber porque eu não tenho um pai, mas apenas que adulto estava me acompanhando naquele dia específico. Depois de um tempo, pude perceber a diferença entre esse tipo de questionamento igênuo e o que era feito com curiosidade. Hoje em dia, se noto que é com curiosidade, respondo: ‘eu tenho duas mães’. Só isso.

Às vezes me fazem essas perguntas porque estão realmente interessados na minha vida ou em entender melhor a minha família. Você pode perceber pelo tom de voz qual é o tipo de pessoa está perguntando. Se há quase um receio na voz, ela quer saber de verdade. Mas se há um tom arrogante, percebo que ela só quer me deixar desconfortável.

Como eu e minha irmã somos adotadas, também costumam indagar se eu sei quem são meus pais ‘de verdade’. Eu digo que minhas mães ‘de verdade’ são as que cuidaram de mim por toda a minha vida. Frequentemente me pressionam a falar sobre meus pais biológicos, mas eu nem sempre tenho vontade de fazê-lo. Então, quando me solicitam isso, eu ajo de acordo com a minha vontade.

Quando caminho na rua com toda a minha família, percebo que os que lançam os olhares mais esquisitos são os adolescentes. Adolescentes gostam que tudo seja sempre do mesmo jeito, então até eles crescerem e passarem dessa fase, eu só os ignoro.

Crianças que cresceram perto da nossa família costumam ser mais legais porque não têm preconceito com o nosso tipo de família. Adultos também.

O mais importante a se lembrar é que sempre que alguém lhe faz uma pergunta, você só tem que dar a resposta que você queira e se sinta confortável a dar. Sempre seja verdadeiro consigo mesmo.


O boom casamenteiro dos EUA

22 de setembro de 2009

Uma notícia veiculada no Pink News afirma que de acordo com o órgão do governo americano responsável pelos censos, mais de um quarto dos casais gays dos Estados Unidos está oficialmente casado.

O primeiro censo dos EUA relativo a uniões civis entre homossexuais revelou que quase 150 mil casais do mesmo sexo no país estão casados. O número estimado de casais gays nos EUA, no geral, é de 564 743 e, de acordo com o Census Bureau, 27% declarou que vive numa relação igual à de casais heterossexuais em matrimônio. Estima-se que se registraram 100 mil casamentos, uniões civis e estáveis entre homossexuais em 2008.

Uma leitura apressada dessa notícia poderia conduzir à conclusão de que, no campo do estado civil, os LGBTs norte-americanos já não têm muito pelo que lutar. Ledo engano. Convido o leitor a fazer uma leitura não só dessa notícia, mas do mapa da Wikipedia para uniões homossexuais nos Estados Unidos.

Mapa

A proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo ocorre nos estados que aparecem em tons avermelhados. Em alguns estados, como é o caso de NY, o registro dessas uniões não é permitido, mas as certidões emitidas em outros lugares são reconhecidas. Em razão disso, muitos casais literalmente cruzam o país para oficializar sua união – com exceção de Iowa, localizado no centro dos EUA, todos os estados que reconhecem o casamento homossexual (Massachussetts, Connecticut e Vermont) localizam-se no extremo nordeste do território americano.

Com isso, multiplicam-se pacotes de viagem específicos para LGBTs que pretendem se casar e guias de viagem listando hotéis e restaurantes gay-friendly nos estados de destino. Assim, essas cerimônias acabam por movimentar a economia desses estados. Um estudo realizado pelo Williams Institute (que também analisa esses dados do censo), vinculado à Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, estima que nos próximos três anos o turismo gerado pelas uniões civis vai gerar aproximadamente US$3,3 milhões em impostos somente para o estado de Vermont, estado que foi o primeiro dos EUA a reconhecer uma união civil homossexual, ainda em 2000.

O instituto do casamento entre pessoas do mesmo sexo só foi aprovado em Vermont em abril deste ano, tendo validade a partir do dia primeiro de setembro. Uma matéria da Associated Press nos conta que muitas cerimônias de casais que não queriam mais esperar foram realizadas às pressas nesse estado a partir dessa data.

Bill Slimback e Bob Sullivan vieram de uma cidade do estado de Nova Iorque para se casar no mesmo dia em que aprovaram a união em Vermont

Bill Slimback e Bob Sullivan vieram de uma cidade do estado de Nova Iorque para se casar no mesmo dia em que aprovaram a união em Vermont

Essa verdadeira corrida pelo casamento é bastante interessante quando relacionada às afirmações corriqueiras de que homossexuais são instáveis e promíscuos, incapazes de manter relações amorosas verdadeiras e saudáveis. A última ocorrência que vi desse argumento está no relato de um “ex-gay” contido em um manual de tratamento para homossexuais que a Carol me mostrou no GReader:

Ao longo dos anos vivi com uma série de companheiros de quarto, alguns dos quais eu dizia amar. Eles juravam que me amavam. Mas as ligações homossexuais começam e acabam com o sexo. Além do sexo há bem pouco para fazer [grifo meu]. Depois desse período inicial apaixonado, o sexo torna-se cada vez menos frequente; os parceiros ficam nervosos, começam a enganar-se um ao outro, primeiro às escondidas, depois cada vez mais às claras… Há então cenas de ciúmes e mexericos. Nessa altura dá-se o afastamento e cada um parte à procura de um novo amante.

Notem como a descrição depois do grifo é totalmente aplicável a qualquer relacionamento, independente do gênero de seus integrantes. É quase hilário que a argumentação de que “no começo há muito sexo mas depois a relação esfria” seja apresentada como comprovação de que a homoafetividade é inviável por conta da natureza perversa do homossexual.

É sabido que toda pesquisa tem lá sua margem de erro, especialmente no que tange à quantificação da orientação sexual de uma população, e que não devemos nos apoiar em números para argumentar contra o preconceito. De qualquer maneira, os 27% surpreendem, demonstrando que as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo são uma realidade muito mais presente na sociedade americana do que seria esperado em razão da falta de unidade na legislação sobre o assunto.

(Edição e redação final: Carol)