Destaque da semana: violência contra LGBTs

25 de outubro de 2009
A homofobia não se traduz só em discriminação verbal. Pode levar a agressões e morte

A homofobia não se traduz só em discriminação verbal. Pode levar a agressões e morte

Essa semana, o Dolado nos trouxe uma informação muito interessante: em Londres, a New Scotland Yard está comemorando o aumento de 18,3% no número de registros de agressões homofóbicas em Londres. Sim, comemorando. Para a polícia londrina, o maior número de denúncias não aponta para um aumento na violência, e sim indica que a população LGBT está se sentindo mais segura para reportar crimes de ódio.

De acordo com reportagem do jornal britânico The Guardian, a organização pelos direitos dos homossexuais Stonewall alega que ainda hoje os LGBTs não são levados a sério quando vão à delegacia. Eles defendem que a homofobia seja monitorada da mesma forma que o racismo. Um representante da polícia londrina concordou que as estatísticas ainda são tímidas frente aos números reais da violência motivada por orientação sexual, mas destacou o empenho do poder público no combate a todos os crimes de ódio: “Estamos trabalhando em parceria com as vítimas, com organizações LGBT e outros parceiros para garantir que vamos oferecer um serviço efetivo para vítimas e testemunhas, bem como punir os agressores”.

No Brasil, podemos citar como semelhante a situação da violência doméstica, que também contabiliza aumento nos registros. O número de agressões denunciadas aumentou 43% na comparação entre 2006 e 2007, e cresceu mais 32% no ano seguinte. Para isso, foi fundamental a promulgação de uma lei específica para coibir a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha, em 2006, e a criação de uma rede de serviços adequada para o atendimento das vítimas.

Tanto no caso londrino como nos relatos de sucesso da lei Maria da Penha, há um outro fator que motiva as vítimas a procurarem a polícia: a confiança na busca pelos agressores. Enquanto isso, ainda não temos respostas para as bombas na Parada de São Paulo. Nessa mesma parada, um homossexual foi espancado e morreu alguns dias depois por traumatismo craniano; e cinco homens agrediram um rapaz e foram embora tranquilamente, provavelmente seguros de sua impunidade.

O rosto de Ferruccio Silvestro, espancado ao sair de uma boate gay, é um símbolo da luta contra a homofobia no Brasil

O rosto de Ferruccio Silvestro, espancado ao sair de uma boate gay, é um símbolo da luta contra a homofobia no Brasil

O Grupo Gay da Bahia estima que um homossexual é morto a cada dois dias no País. Um levantamento do Dolado ao longo da semana passada chegou a um número bem próximo: em 9 dias, foram 5 os casos de assassinatos motivados por homo e transfobia – e isso só nos casos veiculados na mídia.

Maria da Penha, a mulher cujo nome batiza a lei da violência doméstica, viu o marido que tentou matá-la permanecer impune por quase 20 anos. Se seu caso não houvesse chegado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos OEA, talvez ainda não tivéssemos uma legislação específica para a violência contra a mulher. Também é interessante notar como a promulgação da lei, em 2006, provocou uma mudança de mentalidade – a agressão da mulher pelo marido deixa de ser vista como parte da dinâmica do casal para ser encarada como um problema grave.

As estatísticas londrinas nos animam, e o caso da lei Maria da Penha nos inspira a acreditar que nunca é tarde demais para buscar justiça. Para que os agressores sejam punidos, é preciso que não haja conivência com a violência praticada – e isso só vai acontecer quando a homofobia for vista como um problema sério e real, que ameaça a vida de LGBTs. Falando nisso, você já deixou sua assinatura no Não Homofobia?


Homofobia como punição

20 de outubro de 2009

Uma notícia veiculada ontem pela Advocate conta que um treinador de futebol americano de uma equipe escolar está sendo investigado por usar o preconceito dos integrantes de seu time para punir o mau comportamento de alguns jogadores. Após uma discussão, Rafael Merced e um colega tiveram que correr de mãos dadas, enquanto o restante da equipe os atacava com palavras de baixo calão. Se comprovadas as alegações, o treinador Grant Pippert pode ser punido com repreensão, suspensão ou até ser demitido.

Um caso semelhante aconteceu no Brasil no início desse ano: para “motivar” a equipe do Figueirense, o técnico Roberto Fernandes definiu que os jogadores que não rendessem nos treinos teriam que usar um vestido rosa sobre o uniforme.

O meia Jairo, primeiro jogador do Figueirense a ser "punido" com o vestido rosa

O meia Jairo, primeiro jogador do Figueirense a ser "punido" com o vestido rosa

Todas as notícias encontradas sobre o caso do Figueirense tinham um tom bem-humorado – seja pela informalidade do jornalismo esportivo, seja porque a maioria das pessoas não vê nada de errado na estratégia do treinador. Pelo contrário: uns destacam o melhor desempenho de Jairo, o primeiro a usar o vestido rosa, no treino seguinte ao da punição; outros aproveitam a oportunidade para chamar de viados os torcedores dos outros times. Afinal, se o futebol é um esporte varonil, em que os gays não têm espaço, que mal há em rir do amigo vestido de rosa?

Como já falamos aqui, o humor é uma maneira de expressar preconceito – eu, pelo menos, não conheço nenhuma piada fazendo graça de uma pessoa muito bonita, ou muito inteligente. Mas esses casos vão além: além de legitimar a homofobia, usam a humilhação como forma de cobrar resultados, o que seria condenável em qualquer caso. Por esse motivo, a OAB condenou a ideia de Roberto Fernandes:

Para o presidente nacional da OAB, a humilhação pública, mesclada com o preconceito, não pode ser entendida como uma atitude normal ou corriqueira do dia-a-dia de uma categoria profissional, ainda que seja no ambiente informal dos campos de futebol. “Além do evidente abuso moral, pode se caracterizar como crime. (…) São humilhações como essa, principalmente quando se trata de futebol, que projetam o Brasil como país que não cumpre com a sua própria legislação”.

Nos EUA, a discussão sobre homofobia, humilhação e punição não é nova. Desde 2005, detentos flagrados em atos sexuais – como masturbar-se publicamente, manter relações com outros detentos ou assediar detentos e funcionários da penitenciária – em algumas prisões da Carolina do Sul são punidos com a obrigação de usar uniformes cor-de-rosa durante três meses. Um artigo (infelizmente sem a indicação de autor) publicado no site da Human Rights Watch questiona:

Mas por que rosa? A cor não foi escolhida ao acaso. Os funcionários sabiam muito bem que os detentos não gostariam dessa cor – e acreditam que o uso da cor rosa possa ter um efeito preventivo.
Não é surpresa nenhuma que os detentos não gostem de macacões cor de rosa. Eles associam o rosa com menininhas e homens efeminados. Usar essa cor pode levar ao ridículo, a insultos, insinuações em relação à orientação sexual e até agressões e violência sexual.

Um detento, Sherone Nealous, chegou a entrar com um processo contra os uniformes rosas pelo risco de agressões a que seus usuários ficam expostos, mas o caso foi arquivado quando Nealous deixou a penitenciária.

Há um outro caso nessa linha no Texas, onde uma pequena prisão pintou suas celas de rosa (para reduzir a agressividade dos internos) e estabeleceu que todos os detentos deveriam usar macacões dessa mesma cor. A intenção era tornar a prisão desconfortável para diminuir a reincidência. De acordo com o xerife da Mason County Jail, a ideia funcionou: houve uma redução de 70% na reincidência desde a adoção do novo uniforme. Um efeito colateral também se fez notar: envergonhados dos trajes, alguns detentos preferiram continuar presos a sair de rosa na rua para prestar serviços comunitários.

Mundo estranho esse, em que uma roupa rosa causa mais vergonha do que estar preso…


O homofóbico e seus amigos gays

5 de outubro de 2009

Ando pensando muito em uma argumentação bastante utilizada em debates sobre LGBTs em geral, e que nos foi aplicada na caixa de comentários do recente texto que questiona a tradicionalidade da heterossexualidade gaúcha. É o velho “não sou homofóbico(a), tenho amigos homossexuais”.

Essa setença geralmente precede ou sucede comentários analíticos, críticos e/ou polêmicos em relação a homossexuais. Por medo de ser mal interpretado, o locutor já deixa bem claro que é inviável que sua opinião seja homofóbica pois, afinal, ele próprio tem relações amistosas com gays e lésbicas.

Criam-se, então, no momento em que a dita frase é proferida, duas entidades: a do Homofóbico e a do Amigo Gay. O Homofóbico, dentro dessa interpretação, é um ser totalmente ignorante, retrógrado, preconceituoso. Ser homofóbico é ter nojo de homossexuais, querer que eles não tenham direitos, desapareçam, sejam queimados em praça pública. E, acima de tudo, é não se relacionar com nenhum deles, de tanto asco.

É para dissociar-se dessa malévola figura que aciona-se o Amigo Gay. Este funciona como passe para toda uma ideologia da aceitação; ter um amigo gay não significa apenas se dar bem com um cara que é gay, mas se mostrar inteligente e esclarecido a ponto de se relacionar com um.

discuti aqui anteriormente toda a problemática referente à terminologia “homofobia”. É sabido que essa palavra cria, por meio da linguagem, uma figura vilanizada que tem asco de homossexuais. Poder-se-ia dizer: ah, então tudo bem, é natural que se queira desvencilhar dessa personagem má e cruel, demonstrando-se uma pessoa evoluída.

Mas é otimismo demais jogar apenas na linguagem a culpa para ocorrências de argumentações como a que estamos discutindo. Estas continuam ocorrendo porque as pessoas, mesmo tendo os tais amigos gays e lésbicas que ostentam com tanto gosto, não se prestam a pensar em tudo o que lhes é negado; a parar de emitir piadinhas preconceituosas ou de utilizar termos chulos para se referir a homossexuais; a refletir sobre as dificuldades enfrentadas por esses amigos para simplesmente viver seus amores de maneira espontânea. Em suma, nada impede uma pessoa de ter amigos homos e mesmo assim propagar heteronormatividade e homofobia.

Ser homofóbico não significa ser um monstro, e ter amigo gay não significa ter um escudo moral. Se você quer deixar claro em uma conversa que não tem preconceito, expresse isso através de idéias e posturas bem fundamentadas, e não de justificativas.

* Cabe dizer que nós, no papel de amigos gays e lésbicas, temos também o papel de levar as pessoas a pensar sobre a vivência da homossexualidade. Não estou falando de patrulha ideológica, mas de gestos simples que podem abrir os olhos dos outros para os tipos de violência que nos são inflingidos. Mas bom, isso é assunto para outra postagem…


Sobre a homofobia e seus significados

28 de setembro de 2009

Hoje muito fala-se em homofobia por aí. “Essa atitude foi homofóbica”, “aquele cara é homofóbico”, e tudo, e tal. A campanha pela aprovação do PLC 122, que criminaliza a atos preconceituosos contra LGBTs, tem como nome Não Homofobia. E ainda que eu a utilize no meu cotidiano e nas postagens do Homomento com certa frequência, não consigo deixar de me sentir desconfortável com essa palavrinha que, tão pequenininha, pretende abranger uma quantidade absurda de ações e reações humanas.

Quis entender um pouco dessa minha desconfiança buscando a definição concisa do termo, um pouco de sua história e de sua popularização. Lembrei, por isso mesmo, de um excelente texto de J. Francisco Saraiva de Sousa.

Em 1965, [George] Weinberg usou, talvez pela primeira vez numa reunião social, o termo homofobia para designar uma “fobia” ou “medo dos homossexuais”, um “medo de contágio” e um “medo religioso” de tal modo intensos que conduzem os homens a cometer actos de brutalidade contra os homossexuais. E, em 1971, já num artigo, usa o termo homofobia para designar “a aversão (ou temor) de ser alojado (ou de estar em contacto próximo) com os homossexuais e, no caso dos próprios homossexuais, a auto-aversão”, isto é, tédio e aborrecimento consigo próprio.

Já sabemos dois elementos importantes a respeito do conceito: seu autor e sua idéia original, a de aversão a homossexuais, seja vinda do mundo externo ou internalizada nos próprios. Mas esse conhecimento é insatisfatório para nossa análise. Precisamos compreender ainda qual foi o caminho trilhado pela palavra para sair dos discursos e artigos de Weinberg, rumo ao senso comum. Saraiva de Sousa arrisca:

o termo homofobia foi bem acolhido pelas comunidades científica e académica, pelos activistas gay e pelo público em geral, sendo rapidamente integrado na língua inglesa e nos seus dicionários. O seu sucesso deve-se fundamentalmente ao facto de cristalizar as experiências de rejeição, hostilidade e invisibilidade que os homens e as mulheres homossexuais viveram durante as suas vidas na primeira metade do século XX, mostrando que o problema da homossexualidade não residia nas pessoas homossexuais e na sua orientação sexual, mas sim nos heterossexuais que não toleravam os homossexuais, pelo facto da sua presença questionar os papéis de género socialmente construídos e atribuídos, especialmente o modo como eram definidos e aplicados aos homens.

Assim, no contexto em que surgiu, a “homofobia” encantou ativistas e acadêmicos, por jogar a culpabilidade dos conflitos nas mãos dos seus inflingidores, e não na dos inflingidos. Se antes o distúrbio psiquiátrico era atribuído ao agredido – o homossexual que foi preso, castrado quimicamente e tratado em diversos experimentos desde meados do início da febre cientificista do século XIX – agora um novo vocábulo sugeria que os próprios agressores apresentavam características patológicas de desequilíbrio mental.

De fato, são incontáveis os registros de atitudes violentas direcionadas a homossexuais. Da recorrente agressão verbal a crimes hediondos, com requintes de crueldade. Mas será que é exatamente uma fobia que aflige os agressores? Assim como existe gente que tem reações temerosas e irracionais diante de aranhas, os aracnofóbicos, existe gente que, diagnosticamente, não pode nem ver homossexuais (nesse caso, os famosos homofóbicos)?

Não, é claro que não. A fobia, na linguagem, também pode ser retórica. Fala-se em xenofobia, por exemplo, para definir duas situações: (1) um medo inexplicável de elementos deconhecidos e (2) um preconceito odioso diante de grupos, culturas ou etnias diferenciadas da sua própria. Quando o Wikipedia discute a polêmica acerca da homofobia, faz menção ao mesmo caso: numa situação similar a palavra xenofobia passou a ser utilizada coloquialmente para qualquer preconceito contra estrangeiros, extravasando assim o seu significado original. Dentro dessa perspectiva, não há problemas em subverter-se o sentido formal da palavra, por conta da função exercida pelo sentido coloquial ao denominar um preconceito social. O próprio Michaelis esquece o significado essencial de xenofobia, ao definí-la apenas como “aversão às pessoas e coisas estrangeiras”.

Se estivéssemos falando de xenofobia, acredito que poderíamos parar com a discussão por aqui. Usemos a expressão para denominar o distúrbio psiquiátrico quando ele ocorrer, mas prossigamos com a utilíssima configuração metafórica dela em jornais, dissertações e debates. Mas bom, não estamos falando de xenofobia.

Estamos falando de um fenômeno social (o tratamento dado aos homossexuais por alguns heterossexuais) que envolve questões diversas, seja de cunho histórico, jurídico, psicológico e/ou cultural. E de uma denominação que, ao tentar definir esse fenômeno, apresentou problemas por conservar sob si as concepções de uma época específica e, mesmo assim, continuou a ser perpetuada para além de seu tempo. A questão é que a homofobia é um recurso linguístico que, ao tentar definir um problema, problematiza-se. Como lembra Saraiva de Sousa, o vocábulo já foi questionado e deu espaço para novas visões do fenômeno social.

O termo homofobia reflecte, pelo menos, três suposições: (1) o preconceito antigay é basicamente uma resposta de medo, (2) esta resposta é irracional e disfuncional para os indivíduos que manifestam ansiedade diante da homossexualidade, e (3) constitui mais uma perturbação individual do que um reflexo de valores culturais. A teoria do preconceito sexual de Herek (1986, 2004) considera que estas suposições não são apoiadas empiricamente e, por isso, operou uma substituição de paradigmas: em vez de uma abordagem psicopatológica da hostilidade antigay, advoga uma abordagem sociológica e cultural que abdica do conceito de homofobia, substituindo-o pelo conceito de preconceito sexual extraído da psicologia social.

Não só a “homofobia” mostra-se questionável e insuficiente como, mais adiante no mesmo artigo, Saraiva de Sousa ainda coloca que a própria sucessora, essa teoria do preconceito sexual, tem lá suas falhas. Chegamos, assim, a um ponto importante: muitas vezes a linguagem formal e a ciência, seja ela humana ou natural, não conseguem ser fiéias à realidade humana. É necessário, por isso mesmo, um constante revisionismo dos paradigmas vigentes sobre os saberes e falares humanos.

A questão aqui é que a terminologia, mesmo com toda a problemática epistemológica, vingou e está arraigada no vocabulário comum. A “homofobia” está por aí. E, exatamente por isso, se adaptou à realidade em que circula, porque é isso que a coloquialidade faz. Seja esse uso correto dentro dos cânones científicos ou não, homo e heterossexuais passaram a utilizar homofobia para designar a totalidade das atitudes marginalizadoras de sexualidades não heterossexuais. Insira aí a heteronormatividade, o preconceito sexual, a bifobia, a transfobia e por aí vai. Um exemplo disso é uma colocação da Carol no texto sobre a nova lei de adoção:

Embora a violência seja a associação mais óbvia, a homofobia se manifesta em outras dicriminações mais finas. Não precisamos listá-las para dizer o que é mais importante: mais do que sexo, essa forma de preconceito nega vínculos afetivos.

Sabemos que rotulações identitárias geram confusão à beça, ainda mais quando estamos falando de sexo. É importante refletir sempre a respeito da fragilidade dos próprios conceitos de homo, bi e heterossexualidade e da quantidade de problemas que eles nos trazem. Mas não dá pra viver no campo das idéias e da precisão acadêmica. Não dá pra nos trancarmos salas de estudo, debates ativistas e restringirmos nossa militância ao âmbito intelectual. Precisamos, também, lutar pelo lugar dos LGBTs no mundo. É por isso que, na minha visão posterior a essa pesquisa e cadeia de pensamentos aqui expressa, termos como a própria homofobia, todos bastante questionáveis, ainda estão sendo utilizados.


O dia em que um governador chamou um ministro de viado

22 de setembro de 2009

Impossível não comentar o comentário mais que desagradável do governador do estado do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), que chamou o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc de “viado fumador de maconha” em uma reunião com empresários. Questionado sobre a presença do ministro na Meia-Maratona Internacional do Pantanal, o governador garantiu que Minc não só viria, como correria e sairia vencedor da competição, ou Puccinelli “o alcançaria e o estupraria em praça pública”.

Estou tão chocada com a completa falta de civilidade desse homem que fica difícil argumentar, mas vou tentar enumerar algumas coisinhas. Em primeiro lugar, é preciso destacar a ideia de que “viado” é um xingamento, e que se basta. Ao relatar o fato, as notícias (como no caso dessa, do Estado de S. Paulo) destacam que Puccinelli partiu para a ofensa por discordar do zoneamento ecológico proposto pelo ministério comandado por Minc, e explicam o “maconheiro” pelo discurso do ministro em um show da Tribo de Jah, em que ele defendeu a descriminalização da maconha. E viado, quem justifica?

O ministro do Meio Ambiente Carlos Minc na divulgação do Zoneamento Ecológico que deu início à rusga com Puccinelli

O ministro do Meio Ambiente Carlos Minc na divulgação do Zoneamento Ecológico que deu início à rusga com Puccinelli (Foto: Wilson Dias/ABr)

Carlos Minc não respondeu com mais baixeza. Talvez ele seja do tipo que não se ofende com “insultos” sem lastros na realidade, não sei. O fato é que o ministro respondeu com esperteza e deixou à mostra a incoerência de Puccinelli. “Ele tem uma visão muito interessante sobre homossexualismo: eu é que sou veado e ele é quem quer me estuprar em praça pública”, disse o ministro. Ponto para ele, que além de se mostrar à prova de xingamentos homofóbicos, provou que discorda do preconceito burro que diz que “o ativo não é gay”. Em nota oficial, Minc disse que o governador do Mato Grosso é “um truculento que quer destruir o Pantanal com a plantação de cana-de-açúcar. Essa declaração revela o seu caráter”.

De fato, “truculento” é o mínimo que se pode atribuir a uma pessoa que, desempenhando o papel de representar o Executivo de seu estado frente aos empresários, opta por agredir e ameaçar seu adversário. O uso de ofensas genéricas “contra a honra” – que vão da castidade da progenitora à atividade anal do alvo pretendido – é típico de quem não sabe dialogar, assim como a violência e a ameaça de uso dela. E Puccinelli não se conteve somente em ameaçar com violência, como um bêbado que ameaçasse quebrar a cara de alguém: ao evocar um crime sexual, que afronta a dignidade da vítima, o peemedebista provou-se machista, homofóbico e completamente insensível.

O caráter de Puccinelli apareceu mesmo foi na justificativa que ele deu para as declarações: ao desculpar-se, alegou que não pretendia ofender o ministro, e que esse fato precisa ser compreendido dentro no contexto “do debate técnico e político dos assuntos que dizem respeito aos interesses de Mato Grosso do Sul e ao Ministério do Meio Ambiente”. Hm, desde quando ofensas gratuitas e ameaças de estupro dizem respeito ao interesse público?

André Puccinelli (PMDB), governador do Mato Grosso. Agora os LGBT mato-grossenses têm um bom nome para <strong>não votar</strong> em 2010

André Puccinelli (PMDB), governador do Mato Grosso. Agora os LGBT sul-mato-grossenses têm um bom nome para não votar em 2010

O ponto alto dessa história toda é a interpretação da assessoria do governador de que tais declarações teriam “um tom de brincadeira”. Não consigo ver nenhuma camaradagem na frase “estuprar em praça pública”, especialmente quando direcionada a um oponente político. O uso do humor como justificativa nesse caso é apenas um dos problemas da condescendência com piadinhas preconceituosas. O pior efeito de qualquer piada preconceituosa é, na verdade, reproduzir e naturalizar o preconceito, o que se torna ainda mais grave no caso da homofobia, que ainda é uma forma de discriminação socialmente aceita. Ao sustentar que estupro em praça pública é um tratamento digno para um “viado”, Puccinelli também incita à violência contra os LGBT, que já mata uma pessoa a cada dois dias no Brasil e cresce nas comunidades pobres.

Pensando nesse massacre, pode parecer picuinha querer discutir uma ofensa. Mas enquanto existir gente capaz de proferir absurdos como esses de Puccinelli, vamos ter que repetir que piadas com gays e uso de “viado” e palavras correlatas  para ofender é homofobia sim. “Viado” não é xingamento.

É por essas e outras que quero ver aprovado logo o PLC 122/2006 (aliás, você já assinou a petição?). Enquanto a homofobia não for considerada crime, os truculentos de plantão vão seguir livres para se dizer apenas fanfarrões.

Update: as declarações de Puccinelli foram alvo de moções de repúdio do Grupo Gay da Bahia e da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Notícia mais recente do G1 nos traz a informação de que Carlos Minc disse que não vai processar o governador por não considerar tais ofensas “políticas”. “Na verdade, ele professou um estupro ao Pantanal e um estupro a ele próprio. São os eleitores e naturalmente os tribunais que vão julgar se uma pessoa com esse nível de desequilíbrio está apta para exercer o governo do estado”, complementou. O ministro também sustentou a ideia de que a homofobia pode ser um sinal de enrustimento do governador – o que, embora seja verdade para outras pessoas, nesse caso parece só uma “devolução” do “xingamento”.


Criminalização da homofobia e a “mordaça”: o que o PLC 122/2006 realmente prevê

17 de setembro de 2009

Confesso que minha intenção principal, quando comecei a escrever esse artigo há muito tempo, era abordar com mais profundidade o argumento falacioso de que o PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia, seria uma ameaça à liberdade de expressão caso aprovado. Meses se passaram e o tema continua atual: recentemente, um conselho evangélico presidido pelo Pastor Silas Malafaia entrou com ação contra uma lei paulista que proibia a discriminação homofóbica, felizmente arquivada pelo STF, utilizando a justificativa de que essa era uma “lei da mordaça”.

No entanto, a pesquisa que realizei para recolher alguns argumentos contrários ao projeto encontrou argumentos tão controversos que resolvi ampliar a proposta, e criar um FAQ dessa lei para os religiosos, contemplando contra-argumentos que ficaram de fora do FAQ realizado pelo Não Homofobia.

O que o PLC 122/2006 prevê, afinal?

Caso o projeto seja aprovado, ficam proibidos:

Incitação ao preconceito

Impedimento de ingresso em estabelecimentos

Limitação a processo seletivo

Impedimento a manifestações de afetividade

Restrições em relações de trabalho

Demissão motivada por homofobia

Para aprofundamento do significado dessas proibições, recomendo a leitura dessa notícia na Agência Senado. Esse texto é interessante também para entender por que a relatora do projeto, senadora Fátima Cleide (PT-RO), está elaborando um substitutivo ao projeto original, de autoria da senadora Iara Bernardi.

Os argumentos para repelir a aprovação da matéria são diversos. Os mais apelativos podem evocar tanto a legalização da pedofilia quanto a absurda possibilidade de uso do projeto para salvar o mandato de José Sarney (PMDB-AP) como presidente do Senado. Em meio a esses disparates, encontrei manifestações de pessoas comuns, a maioria religiosas. Algumas dessas opiniões são bastante agressivas, outras apenas demonstram uma preocupação, ainda que exagerada, com o impacto que a lei poderá causar em suas vidas. Em resposta a essas opiniões, exponho o que o PLC 122/2006 não prevê.

Ameaça à liberdade de expressão

O argumento de que a criminalização da homofobia seria um ataque à liberdade religiosa e de expressão é um dos mais utilizados pela bancada evangélica no Congresso para impedir a aprovação do PLC 122/2006. Colo aqui um trecho de um comentário do Reverendo Márcio Retamero, que, a meu ver, sintetiza bem o quão imprecisa é essa noção.

Liberdade de expressão, numa democracia, não é sair por aí dizendo o que tem na cabeça a respeito de tudo e todos; ao contrário, numa democracia de fato, a liberdade de expressão é seguida da responsabilidade social. Aliás, é limitada por ela! (…) Liberdade de expressão não permite que um cidadão humilhe outro, o constranja, o intimide, fira a consciência alheia, o exponha ao vexame ou incite, pelo discurso, preconceito, ódio, exclusão, discriminação ou qualquer coisa que se parece com isso.

A liberdade de expressão religiosa também não é ameaçada. É importante ressaltar a diferença entre direitos laicos, definidos pelo Estado, e religiosos. Por exemplo: a Constituição brasileira determina que “todos são iguais perante a lei”, e que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. No entanto, as igrejas conrtinuam livres para não ordenar mulheres como sacerdotes. Com a aprovação do PLC 122/2006, nada determina que relações entre pessoas do mesmo sexo deixem de ser consideradas “pecado” por uma ou outra religião. A lei terrena não tem poderes espirituais, certo? (E completo: a recíproca deveria ser verdadeira com mais frequência, também.) O que não será admitido é que qualquer pessoa ou instituição, incluindo aí os religiosos, cometa qualquer um dos atos discriminatórios listados acima em virtude da orientação sexual ou identidade de gênero de alguém.

Homossexuais tornam-se pessoas superprotegidas pela lei

Encontrei muitas ocorrências dessa ideia, que sustenta que a criação de uma legislação específica para defender os não heterossexuais levaria à criação de uma “superclasse” de cidadãos, com privilégios a que a maioria da população não teria acesso. Esse argumento, contudo, é inconsistente, já que o PLC 122/2006 não protege exclusivamente os LGBTs (na realidade, o projeto prevê a inclusão da homofobia e outras formas de discriminação – incluindo a religiosa! – na lei 7.716/1989, que define os crimes de racismo). Sustentar que os homossexuais pretendem tornar-se uma “minoria privilegiada” é uma manobra mal-intencionada, que tenta ocultar o fato de que esse segmento da população, na realidade, tem menos direitos legalmente estabelecidos que a maioria dos cidadãos.

Funcionários gays não poderão ser demitidos

A lógica por trás dessa afirmação é a mesma que sustenta o argumento anterior. Há quem defenda que a aprovação do PLC 122/2006 tornaria impossível a demissão de homossexuais, pois um funcionário demitido “poderia alegar” razões homofóbicas e processar a empresa por isso. Ora, se o chefe tinha motivos razoáveis para essa decisão, certamente ele terá provas e testemunhas que comprovem sua versão. Além disso, como em qualquer outro processo trabalhista, não basta “alegar” homofobia para condenar um réu. É preciso ter um mínimo de fundamentação para dar seguimento à causa, e a lei fornece apoio legal somente a quem realmente sofrer preconceito (e, ao contrário do que muita gente pensa, demissões motivadas pela orientação sexual acontecem sim). Ou seja: a não ser que a empresa tenha de fato atitudes discriminatórias em relação aos seus funcionários LGBTs, não existe a tal impossibilidade de se demitir um profissional somente porque ele é gay. Vale o ditado: quem não deve, não teme.

Dissolução da família e legalização da pedofilia

Só é possível culpar os LGBTs por uma suposta “dissolução da família” se ignorarmos todas as mudanças que a família tem sofrido nos últimos tempos. Os casais têm menos filhos; a sociedade passou de um modelo em que a família incluía toda a parentada para uma concepção mais intimista, a “família nuclear”; há uma divisão maior de responsabilidades pela educação dos rebentos; e estão sendo reconhecidas famílias “diferentes”, com as crianças sob a tutela de tios ou avós ou mesmo com mães solteiras. Um outro fato, a meu ver central nessa questão, é que o reconhecimento de uma união entre duas pessoas do mesmo sexo não ameaça as outras, constituídas entre pessoas de sexos diferentes. Leis defendendo os LGBT interferem somente na vida dessa população, que passará a se sentir mais segura, não gerando nenhum efeito negativo na vida dos heterossexuais.

O PLC 122/2006 não menciona pedofilia em nenhum momento. Religiosos associam pedofilia e homossexualidade por considerar ambas manifestações “desviantes de uma sexualidade natural”, embora uma coisa não tenha nada a ver com a outra (o que é sustentado inclusive por campanhas contra a erotização das crianças). Assim como ocorre com os héteros, relacionamentos entre LGBTs envolvem consenso na maioria dos casos (se não, é caso de violência e a lei de crimes sexuais vale para todos). Sexo é tabu, e a pedofilia é provavelmente a prática sexual mais condenada de todas, servindo muito bem para desviar o foco de qualquer debate . Não é à toa que ela é invocada até para restringir a liberdade na Internet.

Nada vai impedir que um professor homossexual ensine meus filhos

Recentemente, uma discussão virtual entre a escritora lésbica Lúcia Facco e um blogueiro evangélico trouxe novamente à tona a questão da homossexualidade na educação. Se o PLC 122/2006 for aprovado, realmente, nada vai impedir que LGBTs deem aula em qualquer colégio. Afinal, ser professor é um trabalho como qualquer outro e os empregadores não poderão deixar de contratar quem quer que seja em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero.

O que não vai acontecer é os professores ensinarem os alunos a “se tornarem homossexuais” (até porque isso não existe). A mera convivência com um LGBT não “influencia” a orientação sexual de ninguém (ou a homossexualidade seria impossível, já que somos na maioria filhos de heterossexuais e vivemos em uma sociedade 90% hétero). O que pode acontecer – e esperamos que aconteça – é que esses e outros professores ofereçam uma educação mais inclusiva, preparando as crianças para lidar com as diferenças. Isso se revela ainda mais importante ao lembrarmos que o preconceito é um dos grandes responsáveis pela evasão escolar. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a homofobia  faz com que 20% dos jovens LGBT abandonem a escola.

Comportamentos impróprios em público não poderão ser coibidos

O que é considerado “impróprio”? Se for beijar um trans ou uma pessoa do mesmo sexo, bem, realmente isso não poderá ser impedido, o que é ótimo. Todos devem ter direito a manifestações de afeto. Nas grandes cidades, isso não será novidade: muitas capitais já preveem multas para estabelecimentos que discriminarem seus frequentadores em razão de sua orientação sexual, identidade de gênero, raça, religião…

Um dos argumentos que encontrei nessa linha contra o projeto é o de que um casal heterossexual pode ser repreendido se estiver, digamos assim, se excedendo nas manifestações de carinho em público, e que o PLC 122 tornaria impossível fazer o mesmo com um casal gay. Repito o que já disse no tópico “superproteção”: o projeto proíbe discriminações que hoje são comuns, não cria direitos novos. Atos que seriam considerados explícitos demais se cometidos por um casal hétero sofrerão as mesmas penas se seus praticantes forem do mesmo sexo. Ao definir ultraje ao pudor, o Código Penal não discrimina sexo nem orientação sexual: “Art. 233 – Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.”

Glorificação da homossexualidade

Esse é só mais um equívoco. Publicada a lei, não serão emitidos anúncios governamentais dizendo que é ótimo ser gay (embora isso pudesse trazer benefícios àqueles que sofrem de homofobia internalizada). Não queremos que as sexualidades LGBT sejam idealizadas ou estimuladas. Só buscamos respeito. Longe de pretender que as sexualidades “diferentes” levem os LGBT a ocupar um espaço privilegiado na sociedade, o PLC 122/2006 busca apenas garantir que essas diferenças não sejam fonte de discriminação negativa.


Um campo hostil

13 de agosto de 2009

Um dos textos que mais gostei de ler no mês passado foi “Racismo é crime, mas homofobia pode”, de Rafael Morettini, escrito no blog de futebol da MTV Mala Preta. Morettini compara a censura a gremistas que utilizam palavreado racista para referir-se a colorados ao silêncio em torno do preconceito sofrido pelo jogador Richarlyson em campo, seja de torcedores rivais ou dos próprios sãopaulinos.

Não tive o privilégio de assistir a um jogo do São Paulo para observar tais manifestações e não pretendo ter tão cedo, mas numa breve busca pelo YouTube encontrei desde uma entrevista com o jogador no programa CQC cheia de insinuações preconceituosas, uma esquete e um bordão do Pânico na TV até uma charge de um famoso site do ramo, além de diversas montagens amadoras que têm como intuito promover a idéia da homossexualidade do rapaz. Pude notar, com isso, que a atitude homofóbica nos campos não é ignorada, mas estimulada pela imprensa. Já é famoso, por exemplo, o ato falho do locutor esportivo da Rede Globo Cléber Machado ao referir-se ao jogador como Bicharlyson.

Parece que o foco das piadas é o fato de Richarlyson parecer ser homossexual e afirmar não sê-lo. Com a insinuação e a dúvida os humoristas sentem-se à vontade para brincar em rede nacional. Mas diante de um jogador assumido, quais posturas seriam tomadas? Será que eles teriam coragem de deixar tão escancarados seus pensamentos preconceituosos acerca do que é ser gay? Com certeza, seria uma situação bem mais delicada.

Mas antes de qualquer militante LGBT reclamar que Richarlyson poderia se assumir, caso de fato seja gay, e talvez mudar um pouco da situação homofóbica no futebol brasileiro, devemos considerar o circo que se armou em torno do jogador só por conta da idéia de ele ser homossexual. E nos questionarmos: será que, nas atuais conjecturas do circuito futebolístico no Brasil, um homem abertamente homossexual teria plenas condições de construir uma carreira de sucesso?

(Redigido com o auxílio do Rodrigo)


O preconceito e a cura

6 de agosto de 2009

Vítima frequente de uma dor de cabeça insuportável, o poeta João Cabral de Melo Neto acostumou-se à aspirina. Mais do que acostumar-se, criou com ela uma relação de incrível proximidade, a ponto de dedicar um poema ao famoso comprimido. Milhares de pílulas depois, uma cirurgia para curar uma úlcera no duodeno acabou também com a cefaleia, libertando o artista de seu vício.

Um leitor menos paciente perguntará: o que isso, afinal, tem a ver com homossexualidade? Ou mesmo com cultura LGBT? Antes que um clique nervoso feche essa janela de seu navegador, mantenho o mistério: pode ter, sim, muita coisa a ver.

Temendo represálias, a psicóloga Rozângela Justino escondeu seu rosto

Temendo represálias, a psicóloga Rozângela Justino escondeu seu rosto

A última aparição misteriosa no Homomento foi de Rozângela Justino, psicóloga presbiteriana famosa pelo tratamento supostamente capaz de “curar” homossexuais. Essa prática contraria a resolução 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que orienta a conduta profissional do psicólogo em relação à orientação sexual.

Segundo essa resolução, a homossexualidade não deve ser considerada “doença, nem distúrbio, nem perversão”, não cabendo tratamento para saná-la. O documento ainda incentiva o profissional a contribuir na luta contra o preconceito, vetando a participação de psicólogos em “eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”, bem como “qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas”.

Repreendida com censura pública pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ) em 2007, Justino apelou para o CFP por discordar da resolução 01/1999. Quem esperava uma punição mais severa, como a cassação do registro da psicóloga, acabou frustrado. No julgamento, ocorrido na sexta-feira, dia 31 de julho, o órgão manteve a censura pública. “Quando é o profissional que recorre, este Tribunal não pode agravar a pena e sim abrandar o que não foi aceito pelo Conselho ou manter a decisão do órgão regional”, disse o presidente do CFP, em matéria do site A Capa.

Quando se fala em sexualidade – homo, hétero, bi, trans –, existe uma distinção que se deve fazer entre o sentimento e a prática. Uma homossexual enrustida pode viver anos no armário, resistindo à tentação do contato homoerótico, e isso não mudará o desejo que ela sente por outras mulheres. Um heterossexual bem-resolvido pode dar-se ao luxo de, eventualmente, experimentar como o seu corpo se comporta numa relação sexual com outro homem, sem que isso provoque alteração em sua identidade sexual ou em seu desejo por mulheres. É necessário ver a diferença entre orientação sexual e experiências sexuais.

Controlar a dor não muda a causa do problema!

Controlar a dor não muda a causa do problema!

É por isso que defendemos: não é possível “reconduzir” a sexualidade de alguém ou “resgatar” uma heterossexualidade perdida. A visão da psicóloga Justino pressupõe que a orientação sexual é algo adquirido, portanto passível de ser mudado. Não é.

O raciocínio de que homossexuais em sofrimento devem ser tratados, portanto, é falacioso. Como o próprio CFP assume, não há doença, não há o que tratar. Assim, a terapia oferecida por Justino precisa, sim, ser questionada, mesmo que a intenção – ajudar pessoas “em estado de sofrimento, acometidas pela orientação sexual egodistônica [caso em que a homossexualidade é sinônimo de sofrimento para o indivíduo]” – pareça boa.

Voltando ao poeta: tentar “readequar” a orientação sexual de uma pessoa porque sua homossexualidade é fonte de sofrimento é a mesma coisa que achar que a aspirina vai curar uma dor crônica. O que causa tristeza não é o desejo por alguém do mesmo sexo. É ver esse desejo (e os sentimentos dele decorrentes) constantemente negado, visto como fonte de doenças, motivo para reprovação da família e até assassinatos.

Fobia, na Wikipédia: “em linguagem comum, é o temor ou aversão exagerada ante situações, objetos, animais ou lugares”. A psicopatologia clínica sustenta que essas, sim, são passíveis de tratamento. A censura pública emitida pelo CFP pode parecer uma pena branda, mas já é um passo na busca da cura de uma fobia específica, aquela que volta sua aversão exagerada à diversidade sexual.

Quanto ao temor manifesto pela psicóloga – o de sofrer represálias na mão da “ditadura gay”, que “amordaça” opiniões divergentes da sua –, ainda há muito a ser dito. Na próxima semana, o Homomento vai publicar um outro artigo sobre homofobia, dessa vez abordando o PLC 122/2006 e o argumento da “liberdade de expressão”.


Homofobia e a nova lei de adoção

6 de agosto de 2009

O dia de hoje, 5 de agosto, provavelmente ficará marcado pelo empenho dos internautas em emplacar a hashtag #naohomofobia entre os trending topics do Twitter. Funcionou: a tag foi a mais popular no Brasil durante horas, desbancando o #forasarney numa das datas mais decisivas do mandato do senador peemedebista como presidente da Casa.

É uma boa ocasião para avaliar as alterações anunciadas na Lei de Adoção, sancionada na segunda-feira pelo presidente Lula. Ou, melhor, para falar de uma certa alteração que não houve. A princípio, as intenções são boas: lei muda para beneficiar os possíveis adotados e tornar o processo mais ágil, incentivando a adoção por familiares próximos quando os pais não puderem ter a guarda da criança, limitando o tempo que o menor pode permanecer em abrigos e determinando que irmãos sejam adotados juntos. A burocracia, no entanto, pode ser um problema, pois a avaliação psicossocial do candidato à adoção se torna obrigatória, e muitas varas de família não contam com pessoal qualificado para essa tarefa.

De um lado, a lei se mostra fraca, pois oferece uma mudança que somente a mudança na legislação não é capaz de cumprir. A realidade chama, sob a forma de pilhas de processos travados porque o Estado não tem pessoal suficiente. De outro lado, a lei falha por não mudar o que só a legislação pode oferecer: casais homossexuais continuam não sendo mencionados.

Explicitamente, a lei não veta a adoção por homossexuais. Na realidade, nem mesmo o estado civil do candidato à adoção é limitado pela lei. O que não existe é a previsão legal de uma criança ser adotada por um casal homossexual. Como já acontece hoje, nada impede que uma pessoa vivendo em união estável homossexual adote uma criança somente em seu nome, ainda que a criação (e todos os sentimentos envolvidos) seja dos dois.

Com isso, permanece a situação que vivemos: para que a criança seja formalmente filha dos dois pais ou duas mães, esse direito precisa ser conquistado judicialmente. Nesses casos, só podemos esperar que os funcionários qualificados do Estado – os juízes – sejam sensíveis o suficiente.

Se a ideia era agilizar as adoções e evitar que as crianças passassem muito tempo em abrigos, uma parte da solução foi ignorada. Se o processo de adoção por homossexuais fosse tão simples como é para os heterossexuais, certamente o número de famílias adotivas formadas seria maior, esvaziando os abrigos ao menos um pouco. E a ampliação efetuada no conceito de família, para incluir parentes próximos, não é inclusiva o suficiente. Um caso famoso, o de Chicão, filho de Cássia Eller, ilustra bem isso: a esposa da cantora não tinha a guarda do menino. Hoje, ainda passaria trabalho para adotá-lo. Que conceito de família é esse, que ainda nega formalmente vínculos estabelecidos na realidade?

É por isso que hoje é um dia interessante para pensarmos a nova lei de adoção. Embora a violência seja a associação mais óbvia, a homofobia se manifesta em outras dicriminações mais finas. Não precisamos listá-las para dizer o que é mais importante: mais do que sexo, essa forma de preconceito nega vínculos afetivos.

Homofobia não é só violência – às vezes, pode ser só uma ausência. E ela não afeta só o gay, pode chegar longe: em uma criança qualquer, que talvez nunca vá conhecer os pais e mães que poderia ter.

Se o PLC 122/2006 for aprovado, ninguém – nem mesmo o Estado – poderá exercer qualquer forma de discriminação devido à orientação sexual de alguém. A negação de direitos – uma homofobia velada do Estado? – fica também proibida. É por isso que acho que hoje, o dia em que o combate à homofobia apareceu nos trending topics, é um dia legal para se pensar no que nos está sendo negado.

Assine: http://www.naohomofobia.com.br/


Massacre de Tel Aviv: uma Stonewall para Israel?

3 de agosto de 2009

Pude testemunhar, durante o fim de semana, a mesma notícia pipocando em diferentes sites, fossem eles voltados para nosso público ou não: Advocate, Gay.com.br, G1, Folha, O Globo, BBC Brasil, NY Times, Reuters. Quem não viu, ainda vai ver: com certeza o destaque da semana na mídia LGBT internacional será o ocorrido em Tel Aviv nesse primeiro de agosto.

Pouco antes da meia-noite, um homem vestido de preto (como os judeus ultraortodoxos) entrou em um imóvel da Associação de Gays e Lésbicas de Tel Aviv e atirou com uma arma automática em todas as direções antes de fugir, até agora com sucesso, segundo testemunhas. (…) Segundo os serviços de emergência, a maior parte de feridos são menores e as duas vítimas fatais são um homem de 26 anos e uma menina de 16.

O estabelecimento na manhã após o ataque: por que o sangue tem estado sempre tão próximo ao arco-íris?

Foram muitos os comentários tristes e raivosos referindo-se ao ataque, e é justo que eles sejam feitos. O protesto é mais do que necessário, especialmente num caso triste como esse. Foi bonito de ver as palavras “Tel Aviv” chegando aos tópicos mais mencionados do Twitter, com pessoas de todos os países prestando solidariedade às famílias das vítimas e à comunidade LGBT em geral.

Entre os comentários em tempo real, me chamou atenção a colocação de Paulo Giacomini: após 40 anos e guardadas as diferenças, massacre anti-gay em Tel Aviv pode se tornar o ‘stonewall’ israelense dos 2000’s. De fato, o ataque foi bastante simbólico e pode dar um gás à luta israelense (e porque não mundial) pela igualdade.

Durante a noite de sábado, muitas pessoas utilizaram essa imagem no Facebook em homenagem às vítimas

Logo após o incidente, as semelhanças com Stonewall se tornam ainda mais claras. Assim como foi em 1969, o primeiro protesto contra os assassinatos de Tel Aviv ocorreu de forma espontânea, já na madrugada de domingo. E, da mesma forma que os gays norte-americanos recusaram-se a abandonar o bar mesmo com a repressão violenta dos policiais, os frequentadores do centro de convivência israelense não deixaram que a violência os intimidasse, reabrindo o espaço na segunda-feira, de acordo com informações do jornal Haaretz.

Esse é o caso mais grave de homofobia no país desde 2005, quando três participantes da parada gay de Tel Aviv – a única no Oriente Médio – foram esfaqueados. Como a identidade do agressor permanece desconhecida, ainda não estão claros os motivos imediatos do ataque, o que não impediu que líderes ultraortodoxos fossem cobrados publicamente por seus posicionamentos homofóbicos.

1º de Agosto: símbolo instantâneo, ao menos em Israel, da luta contra a homofobia

Uma outra cobrança se deu no campo das nomenclaturas: as autoridades policiais israelenses logo esclareceram que o caso não era de “terrorismo”. De fato, esses assassinatos destoariam da maioria dos ataques terroristas sofridos pelos judeus. Lideranças homossexuais locais exigem que o caso seja encarado, sim, como terrorismo.

Se ignorarmos o local onde os tiros foram disparados, as mortes de Nir Katz, 26 anos, conselheiro do grupo, e de Liz Trubeshi, 16 anos, simpatizante, não diferem em nada daquelas motivadas por explosões de homens-bomba. Nessa discussão, podemos deixar etnia e orientação sexual de lado, e o que resta continua inaceitável: são mortes brutais e aleatórias, motivadas por inaceitação da diferença.

(Redação final: Carol)