Conquistando neutralidade

Diariamente tenho meu contato físico com os jornais impressos gaúchos, e não é uma questão de bairrismo e sim de necessidade. Normalmente o trato da homossexualidade nessas publicações e na maioria dos veículos é feito muito sutilmente, de forma equivocada, através da sátira ou deboche. Até aí sem novidades.

Eis que ontem, ao abrir a Zero Hora levei um tapa na cara.

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Como bem se sabe, para qualquer veículo impresso a capa é Môira que desenrola todo blablablá das próximas páginas, e mais:  é o retrato perfeito das concepções burocráticas e intrínsecas que articulam toda teia midiática.

Não costumo ser uma pessoa otimista e sei que meu contentamento pode ser rapidamente dizimado pela realidade. Sim amiguinhos, eu sei que é uma quarta-feira, que a circulação é baixa, que a preocupação maior é com a participação da população no censo…

Mas mesmo assim. É a palavra G-A-Y estampada na capa do jornal de maior circulação do Rio Grande do Sul, acompanhada de uma belíssima matéria assinada pela Letícia Duarte que não faz nenhuma menção a preconceito, e  trata o termo “homossexuais” tão naturalmente que me senti lendo uma reportagem sobre promoções natalinas.

Zero Hora | 02.09.09 | Geral - p.36
Zero Hora | 02.09.09 | Geral – p.36

Infelizmente meus outros colegas comunicadores do Correio do Povo não tiveram a mesma inspiração. A matéria veiculada na editoria de Geral (p.23) de hoje NÃO FAZ REFERÊNCIA NENHUMA a inclusão da união gay nos números do IBGE.

Correio do Povo | 02.02.09 | Geral - p.23
Correio do Povo | 02.02.09 | Geral – p.23 Gays? Ahn?

Ah! Só para fins de clipagem incluí também a nota do O Sul, que discretamente substitiu as palavras gays/homossexuais por um ‘existência de cônjuge ou companheiro do mesmo sexo no domicílio’, afinal, deixemos palavras como essas (“tão polêmicas”) para hard-news estilo: Homossexual mata namorado e come seu rim em Kansas City nos EUA.

O Sul | 02.02.09 | p.12

O Sul | 02.02.09 | p.12

Anteriormente, meus parceiros e amigos de blog Pedro Cassel e Carol Maia apresentaram textos repudiando o posicionamento e a qualidade dos textos publicados pelo colunista  Paulo Sant´anna da Zero Hora, contudo, acho imprescindível evidenciar matérias como essas de Letícia.  O bom gosto e a sensibilidade da jornalista alegraram minha manhã, e me fizeram relembrar e refletir que existem milhares de profissionais como eu, ou como minha colega Carol Maia, que tentarão sempre, independente do veículo conquistar a naturalidade.

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Para quem não leu, ou não compreendeu como funcionará a inclusão da união gay nas estatísticas do IBGE, minha amiga Carol Maia dá uma ajudinha…

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  • O Censo Demográfico visita todas as residências do País de dez em dez anos, contando a população e pesquisando dados referentes às pessoas (sexo, idade, cor ou raça, educação, rendimento) e características de seus domicílios (abastecimento de água, esgotamento sanitário, existência de energia elétrica, destino do lixo)
  • Em 2010, aparecerá a possibilidade de resposta “cônjuge, companheiro de mesmo sexo” para o questionamento sobre a relação da pessoa com o responsável pelo domicílio onde ela vive. A orientação sexual da população brasileira não será pesquisada, mas será possível saber quantas pessoas vivem em união homoafetiva no País. Essa é a primeira vez em que a homossexualidade aparece no questionário do Censo
  • Em 2007, a Contagem da População (uma pesquisa semelhante ao Censo, mas com menos dados) trouxe o primeiro reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo pelo IBGE. 17 mil pessoas (sendo 9 mil homens e 8 mil mulheres) declararam estar em união com cônjuge de mesmo sexo. Somente os estados de Minas Gerais, Bahia e São Paulo registram mais de mil casais em seu território. Esse número é bem baixo considerando-se que 108 milhões de pessoas foram ouvidas na Contagem, que não incluiu municípios com mais de 170 mil habitantes (estima-se que 75 milhões de pessoas vivam nessas grandes cidades que não foram pesquisadas, onde se acredita que viva a maioria dos homossexuais do País)
  • Nas pesquisas, o IBGE trabalha com autodeclaração: vale o que os entrevistados declararem ser verdadeiro. Quem responder ao recenseador que “mora junto” com o responsável pelo domicílio é contado como “convivente”, não como “cônjuge”. Todos os dados levantados pelo IBGE são sigilosos, ou seja, não há por que ficar dentro do armário quando o Censo chegar. Em 2010, é importante que as respostas sejam o mais verdadeiras possível, para que a sociedade saiba quantas são as uniões homoafetivas do Brasil

2 Responses to Conquistando neutralidade

  1. […] IBGE anunciou que irá contar os casais gays no Censo Demográfico de 2010, e servidores LGBT do poder público estadual de Pernambuco poderão incluir seus parceiros como […]

  2. […] alguns outros, de peças e momentos específicos, que acabam caindo nesse enredo – aqui, aqui e aqui, por […]

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