Sobre a homofobia e seus significados

Hoje muito fala-se em homofobia por aí. “Essa atitude foi homofóbica”, “aquele cara é homofóbico”, e tudo, e tal. A campanha pela aprovação do PLC 122, que criminaliza a atos preconceituosos contra LGBTs, tem como nome Não Homofobia. E ainda que eu a utilize no meu cotidiano e nas postagens do Homomento com certa frequência, não consigo deixar de me sentir desconfortável com essa palavrinha que, tão pequenininha, pretende abranger uma quantidade absurda de ações e reações humanas.

Quis entender um pouco dessa minha desconfiança buscando a definição concisa do termo, um pouco de sua história e de sua popularização. Lembrei, por isso mesmo, de um excelente texto de J. Francisco Saraiva de Sousa.

Em 1965, [George] Weinberg usou, talvez pela primeira vez numa reunião social, o termo homofobia para designar uma “fobia” ou “medo dos homossexuais”, um “medo de contágio” e um “medo religioso” de tal modo intensos que conduzem os homens a cometer actos de brutalidade contra os homossexuais. E, em 1971, já num artigo, usa o termo homofobia para designar “a aversão (ou temor) de ser alojado (ou de estar em contacto próximo) com os homossexuais e, no caso dos próprios homossexuais, a auto-aversão”, isto é, tédio e aborrecimento consigo próprio.

Já sabemos dois elementos importantes a respeito do conceito: seu autor e sua idéia original, a de aversão a homossexuais, seja vinda do mundo externo ou internalizada nos próprios. Mas esse conhecimento é insatisfatório para nossa análise. Precisamos compreender ainda qual foi o caminho trilhado pela palavra para sair dos discursos e artigos de Weinberg, rumo ao senso comum. Saraiva de Sousa arrisca:

o termo homofobia foi bem acolhido pelas comunidades científica e académica, pelos activistas gay e pelo público em geral, sendo rapidamente integrado na língua inglesa e nos seus dicionários. O seu sucesso deve-se fundamentalmente ao facto de cristalizar as experiências de rejeição, hostilidade e invisibilidade que os homens e as mulheres homossexuais viveram durante as suas vidas na primeira metade do século XX, mostrando que o problema da homossexualidade não residia nas pessoas homossexuais e na sua orientação sexual, mas sim nos heterossexuais que não toleravam os homossexuais, pelo facto da sua presença questionar os papéis de género socialmente construídos e atribuídos, especialmente o modo como eram definidos e aplicados aos homens.

Assim, no contexto em que surgiu, a “homofobia” encantou ativistas e acadêmicos, por jogar a culpabilidade dos conflitos nas mãos dos seus inflingidores, e não na dos inflingidos. Se antes o distúrbio psiquiátrico era atribuído ao agredido – o homossexual que foi preso, castrado quimicamente e tratado em diversos experimentos desde meados do início da febre cientificista do século XIX – agora um novo vocábulo sugeria que os próprios agressores apresentavam características patológicas de desequilíbrio mental.

De fato, são incontáveis os registros de atitudes violentas direcionadas a homossexuais. Da recorrente agressão verbal a crimes hediondos, com requintes de crueldade. Mas será que é exatamente uma fobia que aflige os agressores? Assim como existe gente que tem reações temerosas e irracionais diante de aranhas, os aracnofóbicos, existe gente que, diagnosticamente, não pode nem ver homossexuais (nesse caso, os famosos homofóbicos)?

Não, é claro que não. A fobia, na linguagem, também pode ser retórica. Fala-se em xenofobia, por exemplo, para definir duas situações: (1) um medo inexplicável de elementos deconhecidos e (2) um preconceito odioso diante de grupos, culturas ou etnias diferenciadas da sua própria. Quando o Wikipedia discute a polêmica acerca da homofobia, faz menção ao mesmo caso: numa situação similar a palavra xenofobia passou a ser utilizada coloquialmente para qualquer preconceito contra estrangeiros, extravasando assim o seu significado original. Dentro dessa perspectiva, não há problemas em subverter-se o sentido formal da palavra, por conta da função exercida pelo sentido coloquial ao denominar um preconceito social. O próprio Michaelis esquece o significado essencial de xenofobia, ao definí-la apenas como “aversão às pessoas e coisas estrangeiras”.

Se estivéssemos falando de xenofobia, acredito que poderíamos parar com a discussão por aqui. Usemos a expressão para denominar o distúrbio psiquiátrico quando ele ocorrer, mas prossigamos com a utilíssima configuração metafórica dela em jornais, dissertações e debates. Mas bom, não estamos falando de xenofobia.

Estamos falando de um fenômeno social (o tratamento dado aos homossexuais por alguns heterossexuais) que envolve questões diversas, seja de cunho histórico, jurídico, psicológico e/ou cultural. E de uma denominação que, ao tentar definir esse fenômeno, apresentou problemas por conservar sob si as concepções de uma época específica e, mesmo assim, continuou a ser perpetuada para além de seu tempo. A questão é que a homofobia é um recurso linguístico que, ao tentar definir um problema, problematiza-se. Como lembra Saraiva de Sousa, o vocábulo já foi questionado e deu espaço para novas visões do fenômeno social.

O termo homofobia reflecte, pelo menos, três suposições: (1) o preconceito antigay é basicamente uma resposta de medo, (2) esta resposta é irracional e disfuncional para os indivíduos que manifestam ansiedade diante da homossexualidade, e (3) constitui mais uma perturbação individual do que um reflexo de valores culturais. A teoria do preconceito sexual de Herek (1986, 2004) considera que estas suposições não são apoiadas empiricamente e, por isso, operou uma substituição de paradigmas: em vez de uma abordagem psicopatológica da hostilidade antigay, advoga uma abordagem sociológica e cultural que abdica do conceito de homofobia, substituindo-o pelo conceito de preconceito sexual extraído da psicologia social.

Não só a “homofobia” mostra-se questionável e insuficiente como, mais adiante no mesmo artigo, Saraiva de Sousa ainda coloca que a própria sucessora, essa teoria do preconceito sexual, tem lá suas falhas. Chegamos, assim, a um ponto importante: muitas vezes a linguagem formal e a ciência, seja ela humana ou natural, não conseguem ser fiéias à realidade humana. É necessário, por isso mesmo, um constante revisionismo dos paradigmas vigentes sobre os saberes e falares humanos.

A questão aqui é que a terminologia, mesmo com toda a problemática epistemológica, vingou e está arraigada no vocabulário comum. A “homofobia” está por aí. E, exatamente por isso, se adaptou à realidade em que circula, porque é isso que a coloquialidade faz. Seja esse uso correto dentro dos cânones científicos ou não, homo e heterossexuais passaram a utilizar homofobia para designar a totalidade das atitudes marginalizadoras de sexualidades não heterossexuais. Insira aí a heteronormatividade, o preconceito sexual, a bifobia, a transfobia e por aí vai. Um exemplo disso é uma colocação da Carol no texto sobre a nova lei de adoção:

Embora a violência seja a associação mais óbvia, a homofobia se manifesta em outras dicriminações mais finas. Não precisamos listá-las para dizer o que é mais importante: mais do que sexo, essa forma de preconceito nega vínculos afetivos.

Sabemos que rotulações identitárias geram confusão à beça, ainda mais quando estamos falando de sexo. É importante refletir sempre a respeito da fragilidade dos próprios conceitos de homo, bi e heterossexualidade e da quantidade de problemas que eles nos trazem. Mas não dá pra viver no campo das idéias e da precisão acadêmica. Não dá pra nos trancarmos salas de estudo, debates ativistas e restringirmos nossa militância ao âmbito intelectual. Precisamos, também, lutar pelo lugar dos LGBTs no mundo. É por isso que, na minha visão posterior a essa pesquisa e cadeia de pensamentos aqui expressa, termos como a própria homofobia, todos bastante questionáveis, ainda estão sendo utilizados.

12 Responses to Sobre a homofobia e seus significados

  1. Daniel disse:

    Concordo com a inadequação do termo, mas uma coisa é certa: seja lá o que impulsione atos de discriminação sexual, o seu resultado muitas vezes é a disseminação de uma HETEROfobia. Ao menos sinto isso na minha vida. Isto é, cada vez mais tenho que fazer uma força tremenda para me relacionar – tranquilamente – com heterossexuais que considero potenciais agressores, vale dizer, jovens adultos que moram com seus pais e fazem piadas de homossexuais para descontrair e passar o tempo com os amigos. E a criação desse estereótipo, tenho certeza, nada mais é do que fruto das experiências de violência moral que carregamos com o passar do tempo.

    Na verdade, acho até generosidade demais conceder a cada pessoa que discrimina um homossexual o escudo da fobia. “Ele não pode fazer nada, ele tem fobia”. Mentira! Na maior parte das vezes, o cara quer ter história pra contar ao afirmar sua virilidade sobre um grupo que julga frágil. Posso estar sendo injusto, mas é a minha percepção, que nem é mais tão intuitiva assim. Como disse Felipe Areda (http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/art15.html,) “…no ato sexual o homem mostra a sua posição superior quando come, fode, possui e domina a mulher, ele faz seu sexo, ele confirma o seu lugar, um sujeito, e define o lugar do outro, um objeto.” A discriminação contra homossexuais é a extensão desse exercício de poder na vida social. Não basta mais transar com uma pessoa do sexo oposto, para afirmar o seu ser. Há que violentar também aqueles que não o fazem.

  2. […] um mês de definições: pesquisamos como a homossexualidade aparece nos dicionários, revisamos a história do termo “homofobia” e destrinchamos os principais preconceitos sofridos pelos bissexuais (comentaremos as identidades […]

  3. […] discuti aqui anteriormente toda a problemática referente à terminologia “homofobia”. É sabido que […]

  4. […] mais pré-conceitos do que conceitos propriamente ditos. Confusos, tentamos também compreender o significado do termo “homofobia”, tão proferido por militantes. Desbravamos a última letrinha da nossa sigla (LGBT, para os […]

  5. fabiana disse:

    acho que a maioria das pessoas deveria entender que o carater de uma pessoa nao se define pela sua opção sexual. Se voce nao gosta de gays ou lesbicas, ou algo do tipo, nao deve discriminar. Com certeza, os homens sofrem muito mais com a homofobia do as mulheres. Eu nao encontro dificuldade para me relacionar com pessoas heterossexuais, mas muitos dos meus amigos, encontram. Tenho uma namorada, e apesar de nao sermos tao deiscriminadas, sempre tem alguem que faz algum comentario idota, ou coisa do tipo. Na realidade, homofobia é uma coisa horrivel.

    • elias disse:

      obs.se alguém chamar o cidadão que está recluso, de maginal,delinquente ou celerado. qual pena caberá a esse.qual a pl.?não vamos ter preconceitos não é?
      tudo deve ser dentro da ordem.

    • patricia disse:

      ola sou patricia ,sou casada com meu marido e tenho varios amigos q se curtem e jamais iginoro opiniao deles nao tenho nem um tipo d preconceito ando com eles nunca pensei e em mudar de lado e nem nunca tive vontade de ficar com uma pessoa do mesmo sexo ,devido eu andar muito com minhas amigas q sao lesbicas as pessoas acham q sou tambem tou pouco me lixando pra q os outros dizem nao vou perde minhas amizades por causa de mentes poluidas

  6. Luciana Batista Pintor disse:

    de onde vem a homofobia?

  7. Celio Araujo disse:

    Eu não sou contra os gays e nem sou homofobico, so não quero ter relações
    com eles e não aceito sertos tipos de comportamentos como assedio por alguns deles. e tambem não levo para
    o lado violento porque sei que não vou
    resolver nada desta forma, o que o individuo faz é probléma dele. agora eu mesmo prefiro a forma natural, “homem com mulher e mulher com homem”a propria natureza assim nos fez, um para o outro, macho e femea com orgãos
    reprodutivos diferentes e cada um com sua finalidade.

  8. Jobson_C disse:

    Eu axo que todo mundo devia viver a sua vida e deixar que as outras pessoas vivensen a sua independente de sua opção sexual

  9. Eduardo Greco disse:

    “homofobia” do original “medo do homem “termo em sintese ja extinto ,nem perante a lei nem perante a psicologia o termo encontra sustento sendo possivel ser tratado como termo ilegal pois “fobia” é uma doenca e a pessoa nao pode ser tratada com esse termo .
    “termo “homofobia ” é um termo invalido ,mas existe um ‘adolofobia” medo da opiniao alheia e nao aceitar convicção alheia,”homofobia”nao existe o que existe é apenas”rejeicao”

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