Destaque da semana: violência contra LGBTs

25 de outubro de 2009
A homofobia não se traduz só em discriminação verbal. Pode levar a agressões e morte

A homofobia não se traduz só em discriminação verbal. Pode levar a agressões e morte

Essa semana, o Dolado nos trouxe uma informação muito interessante: em Londres, a New Scotland Yard está comemorando o aumento de 18,3% no número de registros de agressões homofóbicas em Londres. Sim, comemorando. Para a polícia londrina, o maior número de denúncias não aponta para um aumento na violência, e sim indica que a população LGBT está se sentindo mais segura para reportar crimes de ódio.

De acordo com reportagem do jornal britânico The Guardian, a organização pelos direitos dos homossexuais Stonewall alega que ainda hoje os LGBTs não são levados a sério quando vão à delegacia. Eles defendem que a homofobia seja monitorada da mesma forma que o racismo. Um representante da polícia londrina concordou que as estatísticas ainda são tímidas frente aos números reais da violência motivada por orientação sexual, mas destacou o empenho do poder público no combate a todos os crimes de ódio: “Estamos trabalhando em parceria com as vítimas, com organizações LGBT e outros parceiros para garantir que vamos oferecer um serviço efetivo para vítimas e testemunhas, bem como punir os agressores”.

No Brasil, podemos citar como semelhante a situação da violência doméstica, que também contabiliza aumento nos registros. O número de agressões denunciadas aumentou 43% na comparação entre 2006 e 2007, e cresceu mais 32% no ano seguinte. Para isso, foi fundamental a promulgação de uma lei específica para coibir a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha, em 2006, e a criação de uma rede de serviços adequada para o atendimento das vítimas.

Tanto no caso londrino como nos relatos de sucesso da lei Maria da Penha, há um outro fator que motiva as vítimas a procurarem a polícia: a confiança na busca pelos agressores. Enquanto isso, ainda não temos respostas para as bombas na Parada de São Paulo. Nessa mesma parada, um homossexual foi espancado e morreu alguns dias depois por traumatismo craniano; e cinco homens agrediram um rapaz e foram embora tranquilamente, provavelmente seguros de sua impunidade.

O rosto de Ferruccio Silvestro, espancado ao sair de uma boate gay, é um símbolo da luta contra a homofobia no Brasil

O rosto de Ferruccio Silvestro, espancado ao sair de uma boate gay, é um símbolo da luta contra a homofobia no Brasil

O Grupo Gay da Bahia estima que um homossexual é morto a cada dois dias no País. Um levantamento do Dolado ao longo da semana passada chegou a um número bem próximo: em 9 dias, foram 5 os casos de assassinatos motivados por homo e transfobia – e isso só nos casos veiculados na mídia.

Maria da Penha, a mulher cujo nome batiza a lei da violência doméstica, viu o marido que tentou matá-la permanecer impune por quase 20 anos. Se seu caso não houvesse chegado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos OEA, talvez ainda não tivéssemos uma legislação específica para a violência contra a mulher. Também é interessante notar como a promulgação da lei, em 2006, provocou uma mudança de mentalidade – a agressão da mulher pelo marido deixa de ser vista como parte da dinâmica do casal para ser encarada como um problema grave.

As estatísticas londrinas nos animam, e o caso da lei Maria da Penha nos inspira a acreditar que nunca é tarde demais para buscar justiça. Para que os agressores sejam punidos, é preciso que não haja conivência com a violência praticada – e isso só vai acontecer quando a homofobia for vista como um problema sério e real, que ameaça a vida de LGBTs. Falando nisso, você já deixou sua assinatura no Não Homofobia?


Destaque da semana: Parada proibida

18 de outubro de 2009

Na semana passada, o destaque foi a Marcha Nacional pela Igualdade que aconteceu nos EUA e o discurso de Obama na véspera do 11 de outubro, o Dia de Sair do Armário, data também escolhida para as Paradas de São Leopoldo, Rondônia, Maceió e Vitória. Também estava prevista uma outra parada para esse domingo, que acabou não acontecendo: a do município fluminense de Duque de Caxias. Por volta das 13h da tarde, com a multidão já nas ruas, a organização recebeu a notícia de que a manifestação havia sido proibida pela Prefeitura comandada por José Camilo Zito (PSDB). Do O Dia Online:

Ele alegou ter “queixas do governo passado e cartas assinadas por pastores e pela Igreja Católica que condenam o evento e que há uma insatisfação da sociedade pela vinda de gente de fora”. “Digo e repito: não tenho nada contra o homossexualismo, mas contra eventos que apresentam um certo tipo de conduta que é contra os valores da família e que trazem problemas para a cidade”, declarou o prefeito. “Aconselhei que fizessem em um clube, não ao ar livre, mas eles não vieram a mim abrir diálogo”.

A justificativa da obscenidade é a mesma que embasou a proibição da presença de menores nos arredores da Parada de Belém do Pará. Quando houve o caso dessa cidade, ressaltamos a impossibilidade de manter todos os menores longe da parada e dos males que ela ofereceria a um infante (sexo e oferta de álcool), pois a parada ocorre na rua. Para o prefeito de Duque de Caxias, é fácil manter os “maus valores” longe dos olhos da sociedade de bem: basta isolar os LGBTs, tirando sua manifestação das ruas e levando a festa para algum lugar reservado. “Que Parada Gay de 2010 seja realizada na vila olímpica do município. Não adianta pressionar porque a lei municipal não vai ser desrespeitada, tanto que vamos buscar um lugar mais adequado para eles se exibirem, disse Zito (o grifo é nosso).

A declaração anterior explicita a visão que o prefeito tem da Parada (e o fato de a proibição ter surgido minutos antes do evento desconstroi a versão do governo, de que a documentação fornecida pela organização do evento estava incompleta – se havia um problema nas licenças, como isso só foi constatado na hora?). Só fala em “exibição” quem não acredita no caráter político de uma manifestação. Zito não consegue crer que boa parcela dos LGBTs estejam na rua lutando por seus direitos – prefere tratar o caso como se fosse uma mera festa.

Ao propor que seja realizada em um ambiente fechado, ele oficializa essa imagem: como não há mensagem nenhuma a ser passada, o contato com a sociedade (ou seja: estar na rua) não se justifica, e é melhor manter a festa longe dos olhos de quem não participa dela. Felizmente, a estratégia do prefeito não conseguiu esvaziar a data: com somente um carro de som, que foi autorizado a permanecer por uma hora no local, a Parada converteu-se em uma marcha silenciosa e de protesto.

Com a proibição da Parada de Duque de Caxias, o público deixou a festa de lado, estendeu a bandeira e marchou (Foto: Lucíola Villela/O Dia)

Com a proibição da Parada de Duque de Caxias, o público deixou a festa de lado, estendeu a bandeira e marchou (Foto: Lucíola Villela/O Dia)

Para tentar dissipar a animosidade, o Prefeito publicou um artigo em O Dia:

Não sou contra a liberdade de expressão nem tenho preconceito com relação ao homossexualismo, pois tenho integrantes no meu governo que são declarados ou simpatizantes. Cada pessoa tem o direito de se relacionar com o grupo de sua preferência.

Mas a livre manifestação não pode ser “passaporte” para a anarquia e a conduta de atos que choquem a moral, descaracterizando por completo todo o movimento que, na verdade, busca o apoio da sociedade.

Nós, do Homomento, ficamos bem desconfiados quando alguém tira da manga a carta do amigo gay para se provar simpatizante. Da mesma forma, a tentativa de se provar amigável à causa LGBT por condenar atos contrários à moral que descaracterizam por completo o movimento também não basta para nos convencer de que não houve preconceito na decisão de proibir a Parada às pressas.

Ao longo da semana, a decisão da Prefeitura teve desdobramentos.  O  governo autorizou uma nova data para a Parada, que acontecerá em 15 de novembro – desde que não haja imoralidade, razão pela qual os organizadores contratarão seguranças particulares para coibir atos obscenos. Ainda assim, o Ministério Público deve ser notificado para gerar uma ação civil pública contra Zito.

O incidente atraiu atenção para a Parada, e acredita-se que a nova data marcada pode atrair um público ainda maior. O fato de a caminhada ter acontecido mesmo sem som no dia 11 prova que os LGBTs de Duque de Caxias estão preparados para uma Parada mais protesto e menos festa. Esperamos que a censura tenha um efeito reverso, motivando um engajamento mais passional na luta contra a homofobia. Afinal, se aprendemos alguma coisa com a história das marchas em Washington publicada aqui na sexta, foi que as dificuldades podem trazer um novo gás à militância LGBT.

** Aproveitamos para destacar a qualidade da cobertura que o jornal O Dia fez desse caso, com uma matéria por dia (confira: , , feiras – na 6ª, foi publicado o supracitado artigo do prefeito), conferindo profundidade à discussão e não deixando que o assunto fosse esquecido ao longo da semana. O Dia já tinha se provado competente e sensível aos assuntos LGBT ao promover, no início de setembro, uma série de reportagens retratando a homofobia, informando que ao menos um homossexual é vítima de violência nas favelas por dia nas mãos de traficantes e milícias ou mesmo da PM, e que 20% dos LGBTs abandonam a escola por causa do preconceito.